Nota biográfica

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas (Póvoa de Atalaia, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005). Apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional, Eugénio de Andrade sempre viveu distanciado da chamada vida social, literária ou mundana, tendo o próprio justificado as suas raras aparições públicas com «essa debilidade do coração que é a amizade».

Mário Cláudio – “Três negativos…”

12.05.2018 | Produção e voz: Luís Gaspar

alfredo_luz

TRÊS NEGATIVOS E UMA DISSONÂNCIA PARA EUGÉNIO DE ANDRADE

Não era o pampilho.
Mas ao acaso o poeta chama os amarelos da tarde, entre o silvo de dois
aviões, e o destino se cumpre das coisas. De todos, só ele ousará semear, frágeis assim de nome e de espécie,
minúsculas manchas de alegria no mais branco de seus cadernos.
Não trago ainda «A Vida das Abelhas».
Que mais fácil, pergunto, será o esquecer do que fazem em Maeterlinck
quantos enxames, que sentido têm seus sentidos? Leva-se o dia ocupado em descobrir da outra, da pequena vagabunda
italiana, a secreta receita para o fabrico do mel.
Não o de Domingos Peres das Eiras.
Através dele o rosto vem do poeta, erguido para a cidade essa que é uma
coroa dorida de navios encalhados. Já rio nenhum separa os dois rostos.
A voz a voz se juntou, e aos assaltantes um desafio apenas lançado: «Na cidade se está, se é. E nem mesmo o poema, por violento e de sangue,
detém a nortada de abril, o poeta, seu mês.»
Estas, as palavras, por aqui resvalam até o pó, pois que pó é o pó ou a luz?
Da cal de Tavira à bruma de agora encharcadas: insubmissas, ternas como
os animais de fogo. Um grito se pedia, nem de pomba nem de cabra, para que de palavra fosse,
sal da efémera palavra. E aí ficava também, nos versos do poeta. Quer dizer, neste tempo que temos: tão de fulgor, tão escasso.

Poema de Mário Cláudio, ilustração de Alfredo Luz, ambos retirados do livro “Aproximações a Eugénio de Andrade”, editado pela ASA com o patrocínio a BIAL, coordenação de José da Cruz Santos e Direção gráfica de Armando Alves.

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Nuno Júdice – “Lição”

01.01.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

emerenciano

Aprendíamos a amar, aprendíamos/a morrer


É no verão que se aprende a poesia,
disseste; e em cada um dos verões que a vida
nos traz, em que se aprende e desaprende
o mais certo, entre o amor e a morte,
que cada um tem de saber. No quintal,
onde já não existe a romãzeira da infância,
ouvindo o vento que sobe da terra, trazendo
um antigo furor de ervas e raízes; ou
no largo aberto para o tempo que foi,
e esse que há-de vir. Abro contigo o livro
branco de todos os lugares e de todos
os nomes: o livro da poesia, aprendida
com o desfolhar dos verões, enquanto
as mães se despedem da vida, e uma baça
adolescência se confunde com a névoa
de agosto. Leio devagar, como se
interpretasse, e um fogo embarcado
nos olhos enfunasse a mais obscura
das imaginações: o verso, aprendido
no leito da memória, no verão em
que se aprende a poesia, disseste.

paris, l-XI-99

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Eugénio de Andrade – “Três negativos…”

01.01.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

alfredo_luz

Três negativos e uma dissonância para Eugénio de Andrade

Não era o pampilho.
Mas ao acaso o poeta chama os amarelos da tarde, entre o silvo de dois
aviões, e o destino se cumpre das coisas. De todos, só ele ousará semear, frágeis assim de nome e de espécie,
minúsculas manchas de alegria no mais branco de seus cadernos.
Não trago ainda «A Vida das Abelhas».
Que mais fácil, pergunto, será o esquecer do que fazem em Maeterlinck
quantos enxames, que sentido têm seus sentidos? Leva-se o dia ocupado em descobrir da outra, da pequena vagabunda
italiana, a secreta receita para o fabrico do mel.
Não o de Domingos Peres das Eiras.
Através dele o rosto vem do poeta, erguido para a cidade essa que é uma
coroa dorida de navios encalhados. Já rio nenhum separa os dois rostos.
A voz a voz se juntou, e aos assaltantes um desafio apenas lançado: «Na cidade se está, se é. E nem mesmo o poema, por violento e de sangue,
detém a nortada de abril, o poeta, seu mês.»
Estas, as palavras, por aqui resvalam até o pó, pois que pó é o pó ou a luz?
Da cal de Tavira à bruma de agora encharcadas: insubmissas, ternas como
os animais de fogo. Um grito se pedia, nem de pomba nem de cabra, para que de palavra fosse,
sal da efémera palavra. E aí ficava também, nos versos do poeta. Quer dizer, neste tempo que temos: tão de fulgor, tão escasso.

Poema de Mário Cláudio, ilustração de Alfredo Luz, ambos retirados do livro “Aproximações a Eugénio de Andrade”, editado pela ASA com o patrocínio a BIAL, coordenação de José da Cruz Santos e Direção gráfica de Armando Alves.

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Inês Lourenço – “Liturgia”

27.11.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

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Intensamente te leio e reconheço
esplendor que me religa
para sempre aos teus olhos, adâmicos
e indemnes à usura
das palavras do mundo. Nessa nudez
celebras a fuga
de um corcel travestido de cinzas
no rito do poema nascido.

Poema de Inês Lourenço, ilustração de Armando Alves, ambos retirados do livro “Aproximações a Eugénio de Andrade”, editado pela ASA com o patrocínio a BIAL, coordenação de José da Cruz Santos e Direção gráfica de Armando Alves.

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Kahlil Gibran – “Filhos”

01.03.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

filhos13

Vossos filhos não são vossos filhos,
são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor,

mas não vossos pensamentos.

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

Pois suas almas moram na mansão do amanhã, 

que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, 

mas não podem fazê-los como vós,

Porque a vida não anda para trás

e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos 

são arremessados como flechas vivas. 

O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito

e vos estica com toda a sua força

para que suas flechas se projetem rápido e para longe. 

Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria;

Pois assim como Ele ama a flecha que voa, 

ama também o arco que permanece estável.

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Augusto Gil – “Artigo 1056º do Código Civil”

04.02.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

casamento13

Oiça, vizinha: o melhor
É combinarmos o modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo.

Passo os meus dias a vê-la
Bordar ao pé da sacada.
Não me tiro da janela,
Não leio, não faço nada…

0 seu trabalho é mais brando,
Não lhe prende o pensamento,
Vai conversando, bordando,
E acirrando o meu tormento…

0 meu não: abro um artigo
De lei, mas nunca o acabo,
Pois dou de cara consigo
E mando as leis ao diabo.

Ao diabo mando as leis
Com excepção dum artigo:
0 mil e cinquenta e seis…
Quer conhecê-lo? Eu lhe digo:

«Casamento é um contrato
Perpétuo». Este adjectivo
Transmuda o mais lindo pacto
No assunto mais repulsivo.

«Perpétuo». Repare bem
Que artigo cheio de puas.
Ainda se não fosse além
Duma semana, ou de duas…

Olhe: tivesse eu mandato
De legislar e poria:
Casamento é um contrato
Duma hora – até um dia…

Mas não tenho. É pois melhor
Combinarmos algum modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo.

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António Gedeão – “Enquanto.”

05.06.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

abandonadas

Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
e um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
para ver como é;
enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
e correr pelos interstícios das pedras,
pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
órfãs de pais e de mães,
andarem acossadas pelas ruas
como matilhas de cães;
enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
num silêncio de espanto
rasgado pelo grito da sereia estridente;
enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
amassando na mesma lama de extermínio
os ossos dos homens e as traves das suas casas;
enquanto tudo isto acontecer, e o mais que se não diz por ser
verdade, enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia, o poeta
escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA

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Armindo Rodrigues – “Liberdade”

18.02.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúrias de raiz.
É estar atado, amordaçado, em sangue, exausto
e, mesmo assim,
só de pensar gritar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.

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João de Deus – “Beijo”

13.02.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

beijo

Beijo na face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!

Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!

Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente…
Vá!

Guardo segredo,
Não tenha medo…
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!

Como ele é doce!
Como ele trouxe,
Flor,
Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
Amor!

Saciar-me? louco…
Um é tão pouco,
Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
Amor!

Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!

Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois…

Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas…
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!

Três é a conta
Certinha e justa…
Vês?
E que te custa?
Não sejas tonta!
Três!

Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes;
Três.

As folhas santas
Que o lírio fecham,
Vês?
E não o deixam
Manchar, são… quantas?
Três!

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Maria do Rosário Pedreira – “Hoje apareceu…”

09.02.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

Hoje apareceu um pombo morto no 

quintal. Não foi o gato, que morreu 

antes dele num sábado sem sol, a não 

querer já a minha mão, a não querer

colo. Fiquei cansada: houve sempre

tantas mortes na minha vida – os meus

pais, tu, a menina pendurada no meu 

seio, os meus irmãos – e, como o pombo, 

também estas asas já vão reclamando 

voos noutros céus. Se eu

quisesse camélias brancas na minha

sepultura, como as que levei à igreja 

quando nos casámos, ou arrastar para a 

escuridão da terra o vago ouro das

nossas alianças; se tudo o que juntei

(e foi tão pouco) pudesse ainda ficar 

com os que me faltam, dava estes dedos 

deformados ao tear das palavras e 

escrevia um bilhete, como as raparigas

que se envenenam por amor; e havia de

pousa-lo no peito depois de me deitar, já 

lavada e vestida, para que ninguém se 

desse ao trabalho, que eu conheço essa 

dor. Mas partir é mesmo a minha

última vontade: tu já morreste, morreu o gato 

há dias; encontrei hoje um pombo morto no

quintal e, quando o enterrar, não

haverá já nada que me prenda – vou-me 

embora daqui tão só como cheguei, sem ter

deixado a ninguém o nome que me deram.

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António Ramos Rosa – “Aqui mereço-te”

06.01.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

O sabor do pão e da terra
e uma luva de orvalho na mão ligeira.
A flor fresca que respiro é branca.
E corto o ar como um pão enquanto caminho entre searas.
Pertenço em cada movimento a esta terra.
O meu suor tem o gosto das ervas e das pedras.
Sorvo o silêncio visível entre as árvores.
É aqui e agora o dilatado abraço das raízes claras do sono.
Sob as pálpebras transparentes deste dia
o ar é o suspiro dos próprios lábios.
Amar aqui é amar no mar,
mas com a resistência das paredes da terra.

A mão flui liberta tão livre como o olhar.
Aqui posso estar seguro e leve no silêncio
entre calmas formas, matérias densas, raízes lentas,
ao fogo esparso que alastra ao horizonte.
No meu corpo acende-se uma pequena lâmpada.
Tudo o que eu disser são os lábios da terra,
o leve martelar das línguas de água,
as feridas da seiva, o estalar das crostas
o murmúrio do ar e do fogo sobre a terra,
incessante alimento que percorre o meu corpo.
Aqui entre o poço e o muro,
as claras ervas, as pedras vivas, os pequenos animais,
os alimentos puros,
as espessas e nutritivas paredes do sono,
o teu corpo com todo o vagar da sua massa,
todo o peso das coisas e a ligeireza do ar.

Ao flexível volante trabalhado pelas seivas
a minha mão alia-se: bom dia, horizonte.
Uma saúde nova vai nascer destes ombros.
A lâmpada respira ao ritmo da terra.
Sei os caminhos da água pelas veredas,
as mãos das ervas finas embriagadas de ar,
o silêncio donde se ergue a torre do canto.

Abrem-se os novos lábios e eu mereço-te.
É este o reino de insectos e de jogos,
das carícias que sabem a uma sede feliz.
Aqui entre o poço e o muro,
neste pequeno espaço de pedra cai um silêncio antigo:
uma infância inextinguível se alimenta
de uma fábula que renasce em todas as idades.
É aqui, minha filha, que dança a fada do ar
com seu brilho sedoso de erva fina
e a sua abelha silenciosa sobre a fronte.
É aqui o eterno recanto onde a água diz
a pura praia da infância.
Aqui bebe e bebe longamente
o hálito da tristeza no silêncio da vida,
aqui, ó pátria de água calada e de pão doce,
da fundura do tempo, da lonjura permanente,
aqui, bom dia, minha filha.

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“Afrodite”, de Isabel Allende

15.12.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Depois de se arrepender de todas as guloseimas que rejeitou por vaidade e as oportunidades de fazer amor que rechaçou por atitude puritana ou outros compromissos, a escritora chilena Isabel Allende tenta redimir-se com seu livro Afrodite: contos, receitas e outros afrodisíacos. A escritora, famosa por romances como A casa dos espíritos e De amor e de sombras, conta as coisas que aconteceram em sua vida de nómada com doses cavalares de fantasia. E assim, nas suas obras, desfilam avós etéreas que se comunicam com fantasmas, tias virando anjos e tios que decidem que é melhor ser faquir, dentre outras personagens, que seriam membros da sua família.

Arrependo-me das dietas, dos pratos deliciosos rejeitados por vaidade, tanto como lamento as ocasiões de fazer amor que deixei passar por estar ocupada em tarefas pendentes ou por virtude puritana. Passeando pelos jardins da memória, descubro que as minhas recordações estão associadas aos sentidos. A minha tia Teresa, a que se foi transformando em anjo e morreu com indícios de asas nos ombros, está para sempre ligada ao cheiro dos rebuçados de violeta. Quando esta dama encantadora aparecia de visita com o seu vestido cinzento e a sua cabeça de rainha coroada de neve, nós as crianças corríamos ao seu encontro e ela abria com gestos rituais a sua velha mala, sempre a mesma, tirava uma pequena caixa de lata pintada e dava-nos um rebuçado cor de malva. E a partir de então, todas as vezes que o aroma inconfundível de violetas se insinua no ar, a imagem dessa tia santa, que roubava flores nos jardins alheios para levar aos moribundos do hospital, regressa intacta à minha alma. Quarenta anos depois eu soube que era esse o selo de Josefina Bonaparte, que confiava cegamente no poder afrodisíaco daquele aroma fugidio que tão depressa assalta com uma intensidade quase nauseabunda, como desaparece sem deixar rasto para logo voltar com renovado ardor. As cortesãs da Grécia antiga usavam-no antes de cada encontro amoroso para perfumar o hálito e as zonas erógenas, porque misturado com o odor natural da transpiração e as secreções femininas, alivia a melancolia dos mais velhos e agita de forma insuportável o espírito dos homens novos. No Tantra, filosofia mística e espiritual que exalta a união dos opostos em todos os planos, desde o cósmico até ao mais ínfimo, e na qual o homem e a mulher são espelhos de energias divinas, o violeta é a cor da sexualidade feminina, e por isso o adoptaram alguns movimentos feministas. O cheiro penetrante do iodo não me traz imagens de cortes ou cirurgias, mas sim de ouriços, essas estranhas criaturas do mar inevitavelmente relacionadas com a minha iniciação no mistério dos sentidos. Tinha eu oito anos quando a mão rude de um pescador pôs uma língua de ouriço na minha boca. Quando vou ao Chile, procuro a oportunidade de ir à costa para provar novamente ouriços recém-extraídos do mar, e de todas as vezes me oprime a mesma mistura de terror e fascínio que senti naquele primeiro encontro íntimo com um homem. Os ouriços são para mim inseparáveis desse pescador, do seu saco escuro de mariscos a escorrer água do mar e o meu despertar para a sensualidade.

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Carlos de Oliveira – Look back in anger”

28.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

guerra

Podia ser a névoa habitual da noite, os charcos cintilantes, o luar trazido por um golpe de vento às trincheiras da Flandres, mas não era. Quando acordou mais tarde num hospital da retaguarda, ensinaram-no a respirar de novo. Lentas infiltrações de oxigénio num granito poroso, durante anos e anos, até à imobilidade pulmonar das estátuas.
Hoje, um dos seus filhos sobe ao terraço mais obscuro da cidade em que vive e olha o passado com rancor. O sangue bate, gota a gota, na pedra hereditária dos brônquios e ele sabe que é o mar contra os rochedos, a pulsação difícil das algas ou dos soldados mortos nessa noite da Flandres.
As imagens latentes, penso eu, porque sou eu o homem na armadilha do terraço difuso, entrego-as às palavras como se entrega um filme aos sais da prata. Quer dizer: numa pura suspensão de cristais, revelo a minha vida.

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Sofia de Mello B. Andresen – ” Noturno da Graça”.

25.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Há um rumor de bosque no pequeno jardim

Um rumor de bosque no canto dos cedros

Sob o íman azul da lua cheia

O rio cheio de escamas brilha.

Negra cheia de luzes brilha a cidade alheia.

Brilha a cidade dos anúncios luminosos 

Com espiritismo bares cinemas Com 

torvas janelas e seus torvos gozos

Brilha a cidade alheia.

Com seus bairros de becos e de escadas De 

candeeiros tristes e nostálgicas Mulheres 

lavando a loiça em frente das janelas Ruas 

densas de gritos abafados Castanholas de passos

pelas esquinas Viragens chiadas dos carros

Vultos atrás das cortinas Ciclopes alucinados.

De igreja em igreja batem a hora os sinos

E uma paz de convento ali perdura

Como se a antiga cidade se erguesse das ruínas

Com sua noite trémula de velas

Cheia de aventurança e de sossego.

Mas a cidade alheia brilha Numa 

noite insone De luzes fluorescentes

Numa noite cega surda presa Onde
soluça uma queixa cortada.

Sozinha estou contra a cidade alheia.

Comigo

Sobre o cais sobre o bordel e sobre a rua

Límpido e aceso

O silêncio dos astros continua.

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“Pantagruel” de, Rabelais

24.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Françhois Rabelaiche (Chinon, 1494 — Paris, 9 de abril de 1553) escritor, padre e médico francês do Renascimento, que usou, também, o pseudónimo Alcofribas Nasier (um anagrama de seu verdadeiro nome).
Ficou para a posteridade como o autor das obras primas cómicas Pantagruel e Gargântua, que exploravam lendas populares, farsas, romances, bem como obras clássicas. O escatologismo é usado para condenação humorística. A exuberância da sua criatividade, do seu colorido e da sua variedade literária asseguram a sua popularidade.

Já que nos sobeja o tempo, não será de todo inútil nem ocioso revelar a origem e extracção do bom Pantagruel. Foi assim que, nas suas crónicas, procederam todos os bons historiógrafos, não só árabes, bárbaros e latinos, mas também gregos, que foram borrachos de primeira, e os autores das Santas Escrituras, S. Lucas e S. Mateus.
Sabei pois que, nos alvores do mundo (quer dizer há mais de quarenta quarentenas de noites, se contarmos como os antigos druidas), pouco depois de Abel ter sido morto por seu irmão Caim, a terra, regada com o sangue do justo, vicejou e floresceu como um vero paraíso. Dos seus flancos, cresciam todas as árvores e havia fruta a dar com um pau. Sobretudo nêsperas. Dessa época ficou o dizer-se «ano das nêsperas gordas», porque três pesavam um alqueire.
Nesse ano também se descobriram as calendas nos breviários dos gregos, e viu-se então que Março calhava na quaresma e os meados de Agosto em pleno mês de Maio. Em Outubro, se bem me lembro, ou em Setembro, se não me engano (Deus me livre!) correu a semana ditosa entre as ditosas, tão afamada nos anais e hoje conhecida pela semana dos nove dias, porque o ano era bissexto: o sol desandou da direita para a canhota, a lua mudou de cinco toesas o seu curso e viu-se perfeitamente o tremelicar das estrelas fixas no firmamento. Foi então que uma das Três Marias, mandando as outras à fava, deu uma carreirinha até o Equinócio e a Espiga deixou a Virgem para se encafuar na Balança. Foram coisas tão pasmosas, tão terríveis e difíceis que os astrólogos quedaram estarrecidos, sem poderem meter o dente em tão especiosa matéria. De resto, só com dentes de cavalo chegariam até lá.
Sabei pois que o mundo inteiro apanhava grandes barrigadas de nêsperas, porque eram lindas de se verem e gostosas ao paladar. Mas, tal como Noé, santo entre os santos a quem devemos a plantação da vinha de onde nos vem este licor deleitável, delicioso, precioso, celestial e divino que se chama vinho, foi enganado ao bebê-lo, ignorante da sua virtude e força, as mulheres e os homens desse tempo empanzinaram-se à porfia com esse belo e sumarento fruto. O que foi motivo de muitas e diversas moléstias, sendo a mais importante um horrível inchaço nas partes mais inesperadas do corpo.

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Sofia de Mello B. Andresen – “Quando”

17.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

panteao

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta 

Continuará o jardim, o céu e o mar, E como hoje 

igualmente hão-de bailar As quatro estações à 

minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar Em

que eu tantas vezes passei, Haverá 

longos poentes sobre o mar, Outros 

amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa, 

Será o mesmo jardim à minha porta, E 

os cabelos doirados da floresta, Como 

se eu não estivesse morta.

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Mário de Sá-Carneiro – “Cinco horas”

07.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Minha mesa no Café,

Quero-lhe tanto… A garrida

Toda de pedra brunida 

Que linda e que fresca é!

Um sifão verde no meio 

E, ao seu lado, a fosforeira

Diante ao meu copo cheio

Duma bebida ligeira.

(Eu bani sempre os licores

Que acho pouco ornamentais: 

Os xaropes têm cores

Mais vivas e mais brutais).

Sobre ela posso escrever 

Os meus versos prateados, 

Com estranheza dos criados

Que me olham sem perceber..

Sobre ela descanso os braços 

Numa atitude alheada,

Buscando pelo ar os traços 

Da minha vida passada.

Ou acendendo cigarros,

— Pois há um ano que fumo
-
Imaginário presumo

Os meus enredos bizarros.

(E se acaso em minha frente

Uma linda mulher brilha,

O fumo da cigarrilha

Vai beijá-la, claramente…).

Um novo freguês que entra

E novo actor no tablado, 

Que o meu olhar fatigado
Nele outro enredo concentra.

E o carmim daquela boca

Que ao fundo descubro, triste,

Na minha ideia persiste 

E nunca mais se desloca.

Cinge tais futilidades

A minha recordação,
E destes vislumbres são

As minhas maiores saudades…

(Que história d’Oiro tão bela

Na minha vida abortou:

Eu fui herói de novela
Que autor nenhum empregou…).

Nos Cafés espero a vida

Que nunca vem ter comigo:

— Não me faz nenhum castigo,

Que o tempo passa em corrida.

Passar tempo é o meu fito, 

Ideal que só me resta: 

Pra mim não há melhor festa, 

Nem mais nada acho bonito.

— Cafés da minha preguiça,

Sois hoje — que galardão!
— 
Todo o meu campo de acção

E toda a minha cobiça.

Paris – Setembro 1915

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Fernando Pessoa – “Súbita mão…”

06.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.

Mas um terror antigo, que insepulto
Trago no coração, como de um trono
Desce e se afirma meu senhor e dono
Sem ordem, sem meneio e sem insulto.

E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de Inconsciente
A qualquer mão nocturna que me guia.

Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nada existo como a treva fria.

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Mário de Sá-Carneiro – “Como eu não possuo”

04.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Olho em volta de mim. Todos possuem -

Um afecto, um sorriso ou um abraço. 

Só para mim as ânsias se diluem

E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria 

Dos espasmos golfados ruivamente; 

São êxtases da cor que eu fremiria,

Mas a minh’alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei… perco-me todo…

Não posso afeiçoar-me nem ser eu: 

Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir 

Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,

E eu não logro nunca possuir!…

Castrado d’alma e sem saber fixar-me, 

Tarde a tarde na minha dor me afundo… 

– Serei um emigrado doutro mundo

Que nem na minha dor posso encontrar-me?.

Como eu desejo a que ali vai na rua,

Tão ágil, tão agreste, tão de amor… 

Como eu quisera emaranhá-la nua,

Bebê-la em espasmos d’harmonia e cor!…

Desejo errado… Se a tivera um dia, 

Toda sem véus, a carne estilizada

Sob o meu corpo arfando transbordada, 

Nem mesmo assim – ó ânsia! – eu a teria.



Eu vibraria só agonizante 

Sobre o seu corpo d’êxtases dourados, 

Se fosse aqueles seios transtornados, 

Se fosse aquele sexo aglutinante…

De embate ao meu amor todo me ruo,

E vejo-me em destroço até vencendo: 

E que eu teria só, sentindo e sendo 

Aquilo que estrebucho e não possuo.

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“As Mil e Uma Noites”

03.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

As histórias que compõe as Mil e uma noites tem várias origens, incluindo o folclore indiano, persa e árabe. Não existe uma versão definida da obra, uma vez que os antigos manuscritos árabes diferem no número e no conjunto de contos. O que é invariável nas distintas versões é que os contos estão organizados como uma série de histórias em cadeia narrados por Xerazade, esposa do rei Xariar. Este rei, louco por haver sido traído por sua primeira esposa, desposa uma noiva diferente todas as noites, mandando-as matar na manhã seguinte. Xerazade consegue escapar a esse destino contando histórias maravilhosas sobre diversos temas que captam a curiosidade do rei. Ao amanhecer, Xerazade interrompe cada conto para continuá-lo na noite seguinte, o que a mantém viva ao longo de várias noites – as mil e uma do título – ao fim das quais o rei já se arrependeu de seu comportamento e desistiu de executá-la.
(Wikipédia)

Conta-se — mas Alá é mais sábio e justo, mais poderoso e bom — que, quando decorria a antiguidade do tempo e o passado da idade e do momento, havia nas ilhas da índia e da China, um rei dos reis de Sássan. Era senhor de muitos exércitos, ministros, servidores, e numeroso séquito. Tinha dois filhos, um mais velho e outro mais novo. Eram ambos heróicos cavaleiros; mas o mais velho era mais valoroso que o mais novo. Reinou este mais velho naqueles países, governando os homens com justiça; por isso os habitantes daquele país e reino o estimavam. E o nome dele era rei Schahriar. Quanto a seu irmão mais novo, o seu nome era rei Schahzaman e reinava em Samarcanda.
Mantendo-se este dito estado de coisas, ambos residiam em seus países; e, cada um em seu reino, foram os dois justos governantes de suas greis pelo espaço de vinte anos. E ambos o foram até ao limite do mais dilatado desenvolvimento.
E deste jeito se mantiveram ambos até ao dia em que o mais velho desejou ardentemente visitar o irmão mais novo. Ordenou então ao vizir que se pusesse a caminho e ali lhe trouxesse seu irmão. Ao que lhe respondeu o vizir: «Escuto e obedeço!»
E assim partiu, e com a graça de Alá, chegou em bem: entrou em casa do outro irmão e saudou-o com o saiam. Informou-o de que o rei Schahriar desejava ardentemente vê-lo e que o fim daquela sua viagem tinha como finalidade convidá-lo a visitar seu irmão mais velho. Tendo o rei Schahzaman respondido: «Escuto e obedeço!» Ordenou os preparativos da viagem, mandando que se aprontassem tendas, camelos, machos, servidores e ministros. Elevou depois o seu próprio vizir a governante do país e partiu em demanda das terras do irmão.
Mas ia a noite em meio, lembrou-se de uma coisa que no palácio lhe ficara esquecida e que vinha a ser o presente que destinava a seu irmão. E, voltando atrás, entrou no palácio. E achou a esposa deitada em sua cama, muito abraçada a um preto retinto, seu escravo.

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“O Nome da Rosa” de Umberto Eco

29.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Umberto Eco sugere n’O Nome da Rosa, um ambiente no qual as contradições, oposições, querelas e inquisições, no início do século XIV, justificam ações humanas, as virtudes e os crimes dos personagens, monges copistas de uma abadia cuja maior riqueza é o conhecimento de sua biblioteca. Para as personagens, a discussão do essencial e do particular, do espiritual e da realidade material, do poder secular e da insurreição, dos conceitos e das palavras entranham pelo mundo uma teia de inter-relações das mais conflituosas. A representação, a palavra e o texto escrito passam a ter uma importância vital na organização da abadia beneditina, gestando o microcosmo do narrador.

Era uma bela manhã de fim de Novembro. De noite tinha nevado um pouco, mas a fresca camada que cobria o terreno não era superior a três dedos. Às escuras, logo depois de laudas, tínhamos ouvido missa numa aldeia do vale. Depois tínhamo-nos posto a caminho para as montanhas, ao despontar o Sol.
Como trepávamos pelo carreiro íngreme que serpenteava em torno do monte, vi a abadia. Não me espantaram as muralhas que a cingiam por todos os lados, semelhantes a outras que vi em todo o mundo cristão, mas a mole daquilo que depois soube que era o Edifício. Esta era uma construção octogonal que à distância parecia um tetrágono (figura perfeitíssima que exprime a solidez e a inexpugnabilidade da Cidade de Deus), cujos lados meridionais se erguiam no planalto da abadia, enquanto os setentrionais pareciam crescer das próprias faldas do monte, nas quais se encaixavam a pique. Digo que em certos pontos, de baixo, parecia que a rocha se prolongava para o céu, sem solução de tons nem de matéria, e se tornava a certa altura um maciço torreão (obra de gigantes que tivessem grande familiaridade com a terra e com o céu). Três ordens de janelas diziam o ritmo ternário da sua elevação, de modo que aquilo que era fisicamente quadrado sobre a terra era espiritualmente triangular no céu. Ao aproximarmo-nos mais, percebia-se que a forma quadrangular gerava, em cada um dos seus ângulos, um torreão heptagonal, cujos cinco lados se adiantavam para o exterior — quatro portanto dos oito lados do octógono maior, gerando quatro heptágonos menores, que do exterior se manifestavam como pentágonos. E não há quem não veja a admirável concórdia de tantos números santos, revelando cada um um subtilíssimo sentido espiritual.

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António Gedeão – “Declaração de Amor”

28.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

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Excita-me a tua presença, ó Árvore – ó Árvores todas!

Desejo-te (desejo-vos) como se fosses Carne, e eu Desejo.

Como se eu fosse o vento que preside às tuas bodas,

e te cicia em redor, e te fecunda num aliciante beijo.
Ponho os olhos em ti e entretenho-me a pensar que sou mãos,

todo mãos que te envolvem o tronco e te sacodem convulsivamente.

Requebras-te com volúpia, e os teus emaranhados cabelos louçãos

fustigam o ar como látegos, com toda a força que este amor me consente.
Ó árvore minha débil! Ó prazer dos meus olhos extáticos!

Ó filtro da luz do Sol! Ó refresco dos sedentos!

Destila nos meus lábios as gotas dos teus ésteres aromáticos,

unge a minha epiderme com teus macios unguentos.
Desnuda-me a tua intimidade, ó Árvore! Diz-me a que segredos recorres

para te desenrolares em flores e em frutos num cíclico desvario.

Porque é que tudo morre à tua volta e tu não morres,

e aceitas sempre o Amor com renovado cio.
Inicia-me nos teus mistérios, ó feiticeira dos cabelos verdes!

Ensina-me a transformar um raio de Sol em suculenta carnadura,

e nesses perfumes subtis que a toda a hora perdes,

prolongando o teu ser no ar que te emoldura.
É através de ti, ó Árvore, que celebro os esponsais entre mim e a Natureza.

É através de ti que bebo a nuvem fresca e mordo a terra ardente.

É de ti que recebo as leis do Amor e da Beleza.

Amo-te, ó Árvore, apaixonadamente!

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Fernando Pessoa – “Terrível bebé” – carta a Ofélia.

27.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Terrível Bebé:
Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque é que havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a, e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ente humano, mas é escrito por mim.

“Cartas de amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queirós “ de Manuela Parreira da Silva – Assírio & Alvim

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Cecília Meireles – “Retrato de mulher triste”

21.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Vestiu-se para um baile que não há.
Sentou-se com suas últimas jóias.
E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram,
embala-se em valsas que não dançou,
levemente sorri para um homem.
O homem que não existiu.

Se alguém lhe disser que sonha,
levantará com desdém o arco das sobrancelhas,
Pois jamais se viveu com tanta plenitude.

Mas para falar de sua vida
tem de abaixar as quase infantis pestanas,
e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.

Cecília Meireles, in ‘Poemas (1942-1959)’

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Cecília Meireles – “A velhice pede desculpas”

21.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.

Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.

Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.

Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.

Cecília Meireles, in ‘Poemas (1958)’

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António Skármeta – “O carteiro de Pablo Neruda”

19.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

O Carteiro de Pablo Neruda deu origem a duas versões cinematográficas sendo a segunda um estrondoso êxito. Filme realizado por Michael Radford sobre a amizade entre o poeta chileno Pablo Neruda e um humilde carteiro que deseja aprender a fazer poesia.
Baseado no livro “Ardiente Paciencia” de Antonio Skármeta. O roteiro foi adaptado por Anna Pavignano, Michael Radford, Furio Scarpelli, Giacomo Scarpelli e Massimo Troisi que também interpretou o carteiro. Uma primeira versão do roteiro, feita por Troisi já havia sido realizada em 1983. O livro e a primeira versão do roteiro passavam-se  no Chile, por volta de 1970, quando Neruda vivia na Ilha Negra. Na segunda versão passa-se na Itália nos anos 50.
O Carteiro de Pablo Neruda é vencedor de um Oscar® da academia em 1996 tendo sido nomeado para 5 estatuetas.
(Wikipédia)

Em Junho de 1969 dois motivos tão afortunados como triviais levaram Mário Jiménez a mudar de ofício. Primeiro, o seu desamor pelas lides da pesca que o arrancavam da cama antes do amanhecer, e quase sempre quando sonhava com amores audaciosos, protagonizados por heroínas tão abrasadoras como as que via no écran do cinematógrafo de San António. Este talante, juntamente com a sua consequente simpatia pelas constipações, reais ou fingidas, com que se escusava em média todos os dias a preparar os apetrechos do bote do seu pai, permitia-lhe retouçar debaixo das nutridas mantas chilenas, aperfeiçoando os seus oníricos idílios, até o pescador José Jiménez voltar do mar, encharcado e faminto, e ele aliviava o seu complexo de culpa preparando-lhe um almoço de estaladiço pão, sediciosas saladas de tomate com cebola, mais salsa e coentros, e uma dramática aspirina que engolia quando o sarcasmo do seu progenitor o penetrava até aos ossos.
Arranja trabalho. – Era a concisa e feroz frase com que o homem concluía um olhar acusador, que podia durar até dez minutos, e que de qualquer modo nunca durou menos de cinco.
Sim, pai – respondia Mário, limpando as narinas com a manga do colete.
Se este motivo foi o trivial, o afortunado foi a posse de uma alegre bicicleta marca Legnano, valendo-se da qual Mário trocava todos os dias o diminuto horizonte da calheta dos pescadores pelo quase mínimo porto de San António, mas que em comparação com o seu casario o impressionava como faustoso e babilónico. A simples contemplação dos cartazes do cinema com mulheres de bocas turbulentas e duríssimos parentes de havanos mastigados entre dentes impecáveis, deixava-o num transe do qual só saía após duas horas de celulóide, para pedalar desconsolado de volta à sua rotina, às vezes sob uma chuva marítima que lhe inspirava épicas constipações. A generosidade do pai não chegava ao ponto de fomentar a moleza, de modo que vários dias da semana, falto de dinheiro, Mário Jiménez tinha de conformar-se com incursões às lojas de revistas usadas, onde ajudava a manusear as fotos das suas actrizes preferidas.
Foi num desses dias de desconsolada vagabundagem que descobriu um aviso na janela dos correios a que, apesar de estar escrito à mão e numa modesta folha de caderno de contas, matéria em que não se tinha distinguido durante a escola primária, não conseguiu resistir.
Mário Jiménez nunca tinha usado gravata, mas antes de entrar endireitou o colarinho da camisa como se tivesse uma e tentou, com algum êxito, disfarçar com duas passagens de pente a sua cabeleira, herdada de fotos dos Beatles.
– Venho pelo anúncio – declamou ao funcionário, com um sorriso que emulava o de Burt Lancaster.
– Tem bicicleta? – perguntou aborrecido o funcionário.
O seu coração e os lábios disseram em uníssono:
– Sim.
Bom – disse o empregado, limpando as lentes, – trata-se de um lugar de carteiro para a Ilha Negra.
– Que coincidência – disse Mário. – Eu vivo mesmo ao lado, na calheta.
– Ainda bem. Mas o que está mal é que só há um cliente.
– Um e mais ninguém?
– Sim, claro. Na calheta são todos analfabetos. Não sabem ler nem as contas.
– E quem é o cliente?
– Pablo Neruda.
Mário Jiménez engoliu o que lhe pareceu um litro de saliva.
– Mas esse é formidável.
– Formidável? Recebe quilos de correspondência todos os dias. Pedalar com a sacola às costas é o mesmo que levar um elefante aos ombros. O carteiro que o servia reformou-se marreco que nem um camelo.
– Mas eu tenho só dezassete anos.
– E és saudável?
– Eu? Sou de ferro. Nem uma constipação em toda a vida!
O funcionário deixou escorregar os óculos pela cana do nariz e fitou-o por cima do guichet.
– O salário é uma merda. Os outros carteiros ainda se arranjam com as gorjetas. Mas só com um cliente, mal te vai chegar para o cinema uma vez por semana.
– Quero o lugar.
– Está bem. Eu chamo-me Cosme.
– Cosme.
– Tens de dizer «Don Cosme».
– Sim, Don Cosme.
– Sou o teu chefe.

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Charles Baudelaire – “Hino à beleza” (sem música)

17.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Virás do céu profundo ou surges do abismo,


Beleza?! o teu olhar, infernal e divino, 


Gera confusamente o crime e o heroísmo, 


E podemos, por isso, comparar-te ao vinho.

Conténs no teu olhar o poente e a aurora; 


Expandes os teus odores qual noite de trovoada; 


Teus beijos são um filtro e uma ânfora, a boca,


Tornando o herói cobarde e a criança arrojada.

Vens da treva mais negra ou descerás dos astros? 


Encantado, o Destino é um cão que te segue;


Semeias ao acaso alegrias, desastres, 


E por dominares tudo é que nada te interessa.

Caminhas sobre os mortos, que são o teu gozo;


Das tuas joias, o Horror é das que mais fascina, 


E entre tais enfeites, o próprio Assassínio


Vai dançando feliz no teu ventre orgulhoso.

O insecto, deslumbrado, procura-te a chama, 


Arde, crepita e diz: Benzamos esta luz! 


O apaixonado trémulo, aos pés da sua dama, 


Parece um moribundo a afagar o sepulcro.

Mas que venhas do céu ou do inferno, que importa, 


Beleza! monstro ingénuo, assustador, excessivo! 


Se o teu olhar, teus pés, teu riso, abrem a porta 


De um Infinito que amo e nunca conheci?

De Satanás ou Deus, que importa? 


Anjo ou Sereia, Se tu tornas – ó fada de olhos de veludo,


Ritmo, perfume, luz, ó rainha perfeita! 


-Mais leve cada instante e menos feio o mundo?

(Tradução de Fernando Pinto do Amaral)

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“Evangelho segundo Jesus Cristo”, de José Saramago

14.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

O livro conta uma história humanizada da vida de Jesus e alude a uma sua eventual relação com Maria Madalena (no livro, foi com ela que Jesus “conheceu o amor da carne e nele se reconheceu homem”). Ao adoptar essa perspectiva, de humanização de Cristo, distante da representação tradicional do Evangelho e evidenciando o seu caráter frágil e vulnerável, Saramago coloca que a propagada histórica da crucificação de Jesus, “um revulsivo forte, qualquer coisa capaz de chocar as sensibilidades e arrebatar os sentimentos”, resultou na imposição de “uma história interminável de ferro e de sangue, de fogo e de cinzas, um mar infinito de sofrimento e de lágrimas”, de acordo com a sua visão de mundo, segundo a qual “por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o mais horrendo e cruel”, e que, “no fundo, o problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama. Denuncio as religiões, todas as religiões, por nocivas à Humanidade. São palavras duras, mas há que dizê-las”. Isso levou a que o livro fosse considerado ofensivo por diversos sectores da comunidade católica, a que ele sofresse perseguição religiosa em seu próprio país, e a que o governo português, pressionado pela Igreja Católica e por meio do então Subsecretário de Estado da Cultura de Portugal, Sousa Lara, vetasse este livro de uma lista de romances portugueses candidatos a um prémio literário europeu por “atentar contra a moral cristã”.
Em reacção a este acto do Subsecretário de Estado, que considerou censório, Saramago abandonou Portugal, passando a residir na ilha de Lanzarote, Ilhas Canárias, onde permaneceu até à sua morte.
(Wikipédia)

O sol mostra-se num dos cantos superiores do rectângulo, o que se encontra à esquerda de quem olha, representando, o astro-rei, uma cabeça de homem donde jorram raios de aguda luz e sinuosas labaredas, tal uma rosa-dos-ventos indecisa sobre a direcção dos lugares para onde quer apontar, e essa cabeça tem um rosto que chora, crispado de uma dor que não remite, lançando pela boca aberta um grito que não poderemos ouvir, pois nenhuma destas coisas é real, o que temos diante de nós é papel e tinta, mais nada. Por baixo do sol vemos um homem nu atado a um tronco de árvore, cingidos os rins por um pano que lhe cobre as partes a que chamamos pudendas ou vergonhosas, e os pés tem-nos assentes no que resta de um ramo lateral cortado, porém, por maior firmeza, para que não resvalem desse suporte natural, dois pregos os mantêm, cravados fundo. Pela expressão da cara, que é de inspirado sofrimento, e pela direcção do olhar, erguido para o alto, deve de ser o Bom Ladrão. O cabelo, todo aos caracóis, é outro indício que não engana, sabendo-se que anjos e arcanjos assim o usam, e o criminoso arrependido, pelas mostras, já está no caminho de ascender ao mundo das celestiais criaturas. Não será possível averiguar se este tronco ainda é uma árvore, apenas adaptada, por mutilação selectiva, a instrumento de suplício, mas continuando a alimentar-se da terra pelas raízes, porquanto toda a parte inferior dela está tapada por um homem de barba comprida, vestido de ricas, folgadas e abundantes roupas, que, tendo embora levantada a cabeça, não é para o céu que olha. Esta postura solene, este triste semblante, só podem ser de José de Arimateia, que Simão de Cirene, sem dúvida outra hipótese possível, após o trabalho a que o tinham forçado, ajudando o condenado no transporte do patíbulo, conforme os protocolos destas execuções, fora à sua vida, muito mais preocupado com as consequências do atraso para um negócio que trazia aprazado do que com as mortais aflições do infeliz que iam crucificar.
Ora, este José de Arimateia é aquele bondoso e abastado homem que ofereceu os préstimos de um túmulo seu para nele ser depositado o corpo principal, mas a generosidade não lhe servirá de muito na hora das santificações, sequer das beatificações, pois não tem, a envolver-lhe a cabeça, mais do que o turbante com que sai à rua todos os dias, ao contrário desta mulher que aqui vemos em plano próximo, de cabelos soltos sobre o dorso curvo e dobrado, mas toucada com a glória suprema duma auréola, no seu caso recortada como um bordado doméstico.
De certeza que a mulher ajoelhada se chama Maria, pois de antemão sabíamos que todas quantas aqui vieram juntar-se usam esse nome, apenas uma delas, por ser ademais Madalena, se distingue onomasticamente das outras, ora, qualquer observador, se conhecedor bastante dos factos elementares da vida, jurará, à primeira vista, que a mencionada Madalena é esta precisamente, porquanto só uma pessoa como ela, de dissoluto passado, teria ousado apresentar-se, na hora trágica, com um decote tão aberto, e um corpete de tal maneira justo que lhe faz subir e altear a redondez dos seios, razão por que, inevitavelmente, está atraindo e retendo a mirada sôfrega dos homens que passam, com grave dano das almas.

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“Cem Anos de Solidão” de Gabriel García Márquez

11.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

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Cem Anos de Solidão é uma obra do escritor colombiano Gabriel García Márquez, Prémio Nobel da Literatura em 1982, e é considerada uma das obras mais importantes da literatura latino-americana. Esta obra é das mais lidas e traduzidas de todo o mundo. Durante o IV Congresso Internacional da Língua Espanhola, realizado em Cartagena, na Colômbia, em Março de 2007, “Cem Anos de Solidão” foi considerada a segunda obra mais importante de toda a literatura hispânica, ficando apenas atrás de “Dom Quixote de la Mancha”. Utilizando o estilo conhecido como realismo mágico, “Cem Anos de Solidão” cativou milhões de leitores e ainda atrai milhares de fãs à literatura constante de Gabriel García Márquez.
A primeira edição foi publicada em Buenos Aires, Argentina, em Maio de 1967, pela editora Editorial Sudamericana, com uma tiragem inicial de 8.000 exemplares.

(Wikipedia)

(Texto do excerto, não disponível. Leitura gravada em 9 de Setembro de 2005)

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“D. Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes.

10.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Dom Quixote de La Mancha (Don Quijote de la Mancha em castelhano) é um livro escrito pelo espanhol Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616). O título e ortografia originais eram El ingenioso hidalgo Don Qvixote de La Mancha, com sua primeira edição publicada em Madrid no ano de 1605. É composto por 126 capítulos, divididos em duas partes: a primeira surgida em 1605 e a outra em 1615. É considerada a grande criação de Cervantes. O livro é um dos primeiros das línguas européias modernas e é considerado por muitos o expoente máximo da literatura espanhola. Em princípios de maio de 2002, o livro foi escolhido como a melhor obra de ficção de todos os tempos. A votação foi organizada pelo Clubes do Livro Noruegueses e participaram escritores de reconhecimento internacional.

Vivia, não há muito, numa aldeia da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, um fidalgo dos de lança em armeiro, escudo velho, pileca escanzelada e galgo veloz. Dissipavam-lhe três partes dos bens um cozido, de vaca um pouco mais que de carneiro; salpicão as mais das noites; rabugices e lazeiras aos sábados; lentilhas ás sexta-feiras; algum borracho, de melhoria, aos domingos. Saio de velarte, calças de veludo para as festas; pantufos do mesmo; velori do mais fino, com que se 
honrava nos dias de semana, davam-lhe cabo dos sobejos. Tinha em casa uma patroa que passava dos quarenta, uma sobrinha que não chegava aos vinte, e um criado de fora e de dentro, que tanto lhe selava a besta, como manejava o podão. Calhava a idade do nosso fidalgo com os cinquenta anos; era de compleição robusta, seco de carnes, enxuto de rosto, grande madrugador e amigo da caça. Querem dizer que tinha o sobrenome de Quijada ou Quesada (no que há alguma dife
rença nos autores que deste caso escrevem) ainda que por conjeturas verosímeis se deixe perceber que se chamava Quijana; porem isto pouco importa ao nosso conto; basta que a narração dele não saia um ponto da verdade. Nos espaços em que estava ocioso (que eram os mais do ano) é de saber que este sobredito fidalgo se ocupava em ler livros 
de cavalarias, com tanto gosto e a ferro, que olvidou quase totalmente o exercício da caça, e até o amanho da sua fazenda. E a tal ponto chegou a curiosidade e desvario que vendeu muitas nesgas de terra de semeadura, para comprar livros de cavalaria em que ler, e assim levou para casa quantos pôde encontrar. E a nenhuns achava tão bem como aos que compôs o famoso Feliciano de Silva: porque a clareza da prosa, e aquelas intrincadas razões lhe pareciam de pérolas; e mais quando chegava a ler aqueles requebros e carteis, onde em muitas partes achava escrito: «a razão da sem-razão que á minha razão se faz, de tal maneira a minha razão enfraquece que com razão me queixo da vossa formosura»; e também quando lia: «os altos céus que de vossa divindade divinamente com as estrelas vos fortificam, e vos fazem merecedora do merecimento que merece a vossa grandeza».
Perdia o juízo o pobre cavaleiro com estas e semelhantes razões, e disvelava-se em compreende-las e decifrar-lhes o sentido, que não lhes arrancara o próprio Aristóteles, nem as percebera se para isso ressuscitasse.

(Texto retirado de uma edição de 1905 da Guimarães & Cª com atualizações de algumas palavras)

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