Mário de Sá-Carneiro – “Como eu não possuo”
04.11.2013
Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh’alma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!…
Castrado d’alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo…
– Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?.
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor…
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d’harmonia e cor!…
Desejo errado… Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim – ó ânsia! – eu a teria.
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo d’êxtases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante…
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
E que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
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