Século de Ouro Espanhol – “14”
17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Por século de ouro entende-se a época clássica e apogeu da cultura espanhola, essencialmente desde o Renascimento do séc. XVI até o Barroco do séc XVII. Sujeito a datas concretas de acontecimentos chaves, abarca desde a publicação da Gramática Castellana de Nebrija em 1492 até a morte de Calderón de la Barca em 1681
17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Oh doce noite! Oh cama venturosa!
Testigos do prazer e da alegria,
dizei-me que julgais vós da porfia
daquela dama doce e amorosa.
Como se me mostrava rigorosa!
Como de minhas mãos ela fugia!
Como duas mil injúrias me dizia,
minha doce inimiga cautelosa!
Porém, como depois me deleitava,
prendendo-me em seus braços amorosos,
e abrindo aquelas pernas delicadas!
Com que brandura seus meneios dava!
Que beijos me of’recia, tão gostosos!
E que palavras tão açucaradas!
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Esse chegar de repente e abraçá-la,
esse pôr-se a lutar ele com ela,
esse cruzar suas pernas com as dela,
aquele poder mais ele e derrubá-la;
aquele vir abaixo, e ele sobre ela,
e ela cobrir-se e ele destapá-la,
esse pegar na lança e espetá-la,
e esse teimar dele até metê-la;
esse jogo de lombos e cadeiras,
e as palavras tão meigas e amorosas
que um ao outro murmuram, apressados;
esse voltar e andar de mil maneiras,
e fazer neste transe outras mil coisas
nas legítimas perdem os casados.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
– Que fazeis, bela? – Olho-me a este espelho.
– E porquê nua? – Pra melhor olhar-me.
– E em vós que vedes? – Que quero gozar-me.
– E porque não vos gozais? – Sem aparelho?
– O que vos falta? – Quem seja em amor velho.
– Pois, que sabe esse fazer? – Sab’rá forçar-me.
– E como vos forçará? – Com abraçar-me,
sem esperar licença nem conselho.
– E não resistireis? – Bem pouca coisa.
– Para quê tanto? – Menos que aqui digo;
que ele me saberá vencer, se é atilado.
– E se foge, por ver-vos pudorosa?
– Hei-de ter esse tal por inimigo,
vil, parvo, mole, pouco abonado.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Primeiro é abraçá-la e apalpá-la,
e num instante com beijos entretê-la.
Primeiro é provocá-la e encendê-la.
depois lutar com ela e derrubá-la.
Primeiro é insistir e arregaçá-la,
as pernas pondo entre as pernas dela.
Primeiro é acabar isto com ela,
depois vem o deleite de gozá-la.
Não fazer, como soem os casados,
mais que chegar e achá-la preparada:
de tão doce, dá fome verdadeira.
Hão-de ser os deleites desejados;
se não, não dão prazer nem valem nada,
pois não há quem o barato comprar queira.
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14.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Quem não sabe de amor e seus efeitos·
não se intrometa e cale o que vier,
pois aqui só falamos com discretos.
Qualquer que o seja, ou sê-lo quiser,
terá licença de olhar minhas flores
e delas escolher as que quiser.
Mas os escrupulosos grunhidores
não quero nem consinto que as vejam,
pois não são para néscios os amores.
As damas e donzelas que desejam,
bem que não sendo belas, ser amadas,
sempre este livro leiam e revejam.
E as que de formosura são dotadas,
porque não basta só a formosura,
aqui verão mil graças derramadas.
Aqui não há enigmas nem figura,
rodeios, circunlóquios, indirectas,
mas claridade inteligente e pura.
Espero contentar mesmo as discretas;
e se alguma fugir de minhas flores,
é uma das mofinas indiscretas.
Se não, mostre-nos ela outras melhores,
ou, ao menos, confesse se na cama
contente ficaria com piores.
Termino com dizer que eu é que chamo
Jardim de Vénus a este meu livrinho,
no qual não acharão nem um só ramo
que não tenha de gozo algum pouquinho.
Sec. XVI e XVII
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Porque me beijou Perico,
porque me beijou o traidor.
Enquanto, mãe, eu dormia,
do que muito me arrependo,
senti a mão dele que ia
a camisola me erguendo;
se bem que agora me ria,
lembrá-lo me dá temor,
porque me beijou Perico,
porque me beijou o traidor.
Tão logo, como vos digo,
adormecida me viu,
pôs-se a apalpar, sob o umbigo,
o com que Deus me supriu;
quereis que, por meu castigo,
ainda lhe tenha amor?
Porque me beijou Perico,
porque me beijou o traidor.
E pouco depois lá vinha
a sua perna atrevida
introduzir-se entre as minhas
para me abrir a guarida;
juro que nunca na vida
padeci tamanha dor
porque me beijou Perico
porque me beijou o traidor
E quanto mais se agitava,
mais ficavam deleitosos,
dois mil gozos que me dava
como açúcares cremosos.
Deu-me beijos tão gostosos
que deles guardo o sabor,
porque me beijou Perico,
porque me beijou o traidor.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Consentiu certa dama na porfia
insistente do seu enamorado.
Julgou, por seu nariz, estar provado
que ele outro tanto alhures possuía.
Mas enganou-se nessa profecia:
bem pouco o dele, e o dela demasiado,
de sorte que ele, em sítio tão folgado,
não sabia se entrava ou se saía.
Disse-lhe a dama perturbada e triste:
“Vosso nariz pregou-me uma partida.”
Ao que ele respondeu com brejeirice:
“Que um defeito que tal não vos contriste;
se pelo nariz meu fostes traída,
o vosso, dama, só verdade disse.”
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
À beira d’água estando certo dia,
descuidada, uma dama primorosa,
de mirar seu inferno desejosa
e vendo-se ali só, sem companhia,
a saia ergueu, que vê-lo lhe impedia
e, feliz de ver coisa tão preciosa,
disse, com doce voz de quem se goza,
e que de dentro d’alma lhe saía:
“Por vós eu sou de tantos requestada,
por vós me dão colares e pulseira,
sapatos, saia e manto para o frio.
“Um beijo quero dar-vos” e baixada
para o dar escorregou na beira
e de cabeça despencou no rio.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Entre delgada e gorda é a figura
que a dama deve ter quando formosa;
e a meio da negrura e da brancura
se põe a cor de todas mais graciosa;
a meio da dureza e da brandura
faz-se a carne da fêmea mais gostosa.
Enfim há de ter tudo pelo meio,
pois o melhor de tudo está no meio.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Por terem argolas,
me pediu Teresa
sacar com presteza
meu cajado e bolas.
Tirei de bom grado
cajado e gabão.
Se me vissem, João,
jogar com cajado!
Libertou-se Inês
da roupa e do afogo,
começou o Jogo
de um e dois e três.
Dois pontos então fiz,
de enamorado.
Se me vissem,
João, jogar com cajado!
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