“Cabo da Roca”, poema de Mário Castrim.
30.11.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
Mário Castrim, pseudónimo de Manuel Nunes da Fonseca (Ílhavo, 31 de Julho de 1920 - Lisboa, 15 de Outubro de 2002) foi um jornalista, escritor e crítico da televisão portuguesa.
30.11.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
Deste ponto do hotel vê-se qualquer coisa
que logo desde o início se entendeu
não poder ser outra coisa além do Cabo da Roca.
Daqui donde estou se vê que o Cabo é
perfeitamente ocidental o mais
ocidental possível.
Mais do que ele, só os nossos olhos.
Eles, para quem a terra não acaba nunca.
Eles, que tocam o ponto exacto onde
um sol de fogo prova que ela é redonda.
A única diferença é o farol. Mas se fores tu
de noite a olhar o mar, os barcos
podem ir à confiança.
Obrigado, Alice.
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26.10.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
No retrato velho hoje cinzento
estava toda a família reunida.
– Este aqui és tu…
Este tu era eu – três anos, caracóis, calções,
colete, botas.
Este sou eu.
É preciso guardar as provas. Os documentos.
Se um dia me fecharem as cancelas e
não me deixarem passar, aponto logo:
– Este sou eu.
Passe – dirá o guarda que deve haver
na eternidade – e boa viagem, sim?
– Claro – dirá o menino
que entretanto busca em mim
as sete diferenças
como costuma fazer no desenho
do suplemento do jornal.
(Poema inédito publicado no Facebook
por Alice Vieira, viúva do poeta há 18 anos)
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15.10.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
Lágrimas, não. Lágrimas, não. A sério.
Enfim, não digo que. É natural.
Mas pronto. Adeus, prazer em conhecer-vos.
Filhos, sejamos práticos, sadios.
Nada de flores. Rigorosamente.
Nem as velas, está bem? Se as acenderem,
sou homem para me levantar e vir
soprá-las, e cantar os “parabéns”.
Não falem baixo : é tarde para segredos.
Conversem, mas de modo que eu também
oiça, e melhor a grande noite passe.
Peço pouco na hora desprendida :
fique eu em vós apenas como se
tudo não fosse mais que um sonho bom.
8/ 10/2002
(Poema escrito para os filhos 8 dias antes de falecer. Publicado no Facebook
por Alice Vieira viúva do poeta há 18 anos.)
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16.12.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar
A Ana e o António trabalhavam
na mesma empresa.
Agora foram ambos despedidos.
Lá em casa, o silêncio sentou-se
em todas as cadeiras
em volta da mesa vazia.
“Neo-Realismo!” dirão os estetas
para quem ser despedido é o preço do progresso.
Os estetas, esses, nunca
serão despedidos.
Ou julgam isso, ou julgam isso.
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