Nota biográfica

Poeta de Moçambique.

Jorge Villa – “Entre o Macúti e Sofala”

17.02.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

mar

Entre o Macúti e Sofala
Todo o mar é uma lembrança:
— Cada navio que chega


Traz meus sonhos de criança!

Traz meus sonhos de criança
Que eu nunca chego a viver!
— Os sonhos morrem na praia


Onde as ondas vão morrer!

Os sonhos morrem na praia
— morre na praia a esperança
Entre o Macúti e Sofala
Todo o mar é uma lembrança…

Minha vida de criança
ai quem pudera encontrá-la!

(Todo o mar é uma lembrança
entre Macúti e Sofala…)

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Anunciação Prudente – “Malmequeres”

08.02.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

malmequer

Desfolhei um doirado malmequer,
Ao qual pedi de todo o coração
Que me dissesse ao certo: — Sim ou Não;
Se a quem adoro, mal ou bem me quer!…

Desfolhei o segundo p’ra saber
Se eram os dois da mesma opinião,
Que sendo igual a minha petição,
Me fosse verdadeiro o seu par’cer.

A derradeira pétala caída,
Deixou-me fundamente entristecida
Por confirmar a minha Dor sem fim!…

Agora dize, Amor: — Qual tem razão?
É o segundo que me disse — Não,
Ou o primeiro que me disse — Sim?!…

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Papiniano Carlos – “Epitáfio”

03.02.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

albano_langa
(Pintura de Albano Langa)

Uma árvore nova à
beira da estrada. E
que mais bela prova
te seria dada?

No inverno dos
galhos só uma
flor amarela. E
que mais bela
prova que saber dela?

Uma flor que, em
silêncio, os lábios
descerra. E que
mais bela prova
dum pouco de terra?

E uma abelha que
suga o mel que
lhe deixaste. E
que mais bela
prova que tanto
vos baste?

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Orlando Mendes – “Instante”

25.01.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

ilidio_candja
(Pintura de Ilídio Candja)

Então amainou fora da barra o temporal
Lá longe o negro batucou mais depressa
O barco de remos entrou salvo no pequeno porto
a nereida antiga saiu das ondas e cantou afinal.
Se há algum drama nessa noite, não interessa
porque uma estrela desceu do céu e no meu mar-morto
há a luz de Nossa Senhora para os que andam no mar!
A nereida ressurgida nasce a cantar
e a canção enche a terra como um eterno grito
que a voz adormecida atira a todo o mundo!
Então o náufrago quase perdido, aflito
ergueu os olhos do mais fundo do mar profundo
e do mar ao céu viu a luz do farol bendito
porque nessa hora, Nossa Senhora desceu do céu
A tragédia recomeçou talvez depois
mais trágica ainda do que antes de nós
mas nessa hora entre nós os dois
gerou-se um mundo dentro do mundo — tu e eu
ergueu-se, amor, aquela perdida Voz
e então alguma coisa nasceu!

(in «Itinerário»)

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Orlando de Albuquerque – “Magia de Quissange”

20.01.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

jose_soares
(Pintura de José Soares)

No quissange dolente
sentado à fogueira
o negro dedilha
som de maravilha
que ele bem sente
na brisa fagueira
que lhe afaga o rosto
depois do sol posto
quando na planície
os cazumbis passeiam
de sul a norte
feitiços de morte.

Embora ninguém visse
os cazumbis ondeiam
na brisa que passa
desliza e repassa
no quissange dolente
em que ele dedilha
som de maravilha
que ele bem sente.

Ai! que ele bem sente
na alma doente.

Quissange dolente
da alma da raça
contigo não se sente
o cazumbi que passa.

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José Craveirinha – “Poema”

14.01.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

craveirinha

Para Josefa Brito

Por que te fechaste
à clara insinuação de carinho dos teus irmãos?
E a cada apelo respondeste evasivamente
com as belas mãos cerradas numa recusa formal?
Não vês que te queremos
e amamos sinceramente como nossa irmã mais nova
e que nos dói no sangue, na pele e na alma
fundamente
a tua inconcebível indiferença pela nossa voz fraterna?
Irmã de cabelos soltos ondulando
como seara de veludo acariciada pela nortada.
Irmã dos olhos lânguidos, magoados,
escuros como a noite amortalhando nossos destinos
por que te fechaste, Irmã morena
e preferiste deixar-nos de mãos vazias, inertes desiludidas
quando a esmola implorada
era pura e límpida como a verdade mais nua?
Vem! despojada dos erisses que te cegam.
E que foi simples timidez o teu gesto, diz-nos
para que confiemos em ti completamente
como só se confia no mesmo companheiro de cela
e não passemos por ti desconfiados, retraídos
como se fôssemos mutuamente estrangeiros
e não do mesmo sangue gordo de porquês
e não da mesma alma, angra de sofrimentos
e não do mesmo desespero, pão do nosso silêncio
e não da mesma ânsia, sede da nossa vida,
da mesma fome potente
e da mesma febre que nos coalha as veias luminosamente!
(in «O Brado Africano»)

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