Jean Everaets – “Beijo XIV”
15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Poeta nascido em 1540. Os poemas são do livro "Mil vezes mil beijos - Livro dos beijos"
15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Porque me ofertas esse teu labiozinho em fogo?
Não quero, não quero agora beijar-te, dura Neera,
mais dura do que a dureza do mármore.
Tanto caso farei eu desses teus beijos
inofensivos, ó minha soberba,
que com a verga enrijecida, em riste,
acabe por perfurar as minhas vestes e as tuas
e, enfurecido por um vão desejo,
me consuma, infeliz, com o meu pau em fogo?
Para onde foges? Espera, não me negues
esses olhos, nem esses lábios em fogo!
Agora sim quero beijar-te, minha ternura,
mais tema que a penugem de um ganso.
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Que loucura, Ó Neera,
minha doida, te fez
assim atacar,
te fez assim atiçar a minha língua
com uma feroz mordidela?
Será que todas as aguçadas
flechas que de ti suporto sozinho,
por todo o meu peito,
te sabem ainda a pouco?
A não ser que com esses teus dentes lascivos
cometas algum crime
contra aquele membro nefando
com que tantas vezes, ao raiar do sol,
com que tantas vezes ao sol poente,
com que por longos dias
e amargas noites
eu cantava as tuas graças?
Esta é – não vês, Ó ignorante?
esta é aquela minha língua,
que os encaracolados cabelos,
que os cintilantes olhos,
que os seios cor de leite,
que o pescoço tão delicado
da minha adorável Neera
num doce verso levava às estrelas,
muito além das chamas de Júpiter,
para inveja do céu.
Ela que te chamava a minha saúde,
que te chamava a minha vida,
a flor da minha alma,
e te chamava meu amor,
e meu prazer,
e minha Díone,
e minha pomba,
minha branca rola,
para inveja de Vénus.
Por ventura é isso mesmo
que te agrada, na tua altivez:
desferir um golpe naquela
que por ferida alguma
– minha beleza – pode
inchar de tamanha raiva;
que para sempre esses teus olhos,
que para sempre esses teus lábios
e esses teus dentes de luxúria,
que me fizeram sofrer,
no meio do seu próprio sangue,
a balbuciar há-de cantar?
Ó, soberba força da beleza.
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11.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Enquanto por aqui e por ali em teus braços delicados
me apertas com força, e sobre mim deixas cair
todo o teu pescoço, o teu seio e o teu olhar sedutor,
penduras-te, ó Neera, nos meus ombros;
e ajustando aos meus lábios os lábios teus
atacas-me com uma mordidela, gemes quando te mordo
e a tua língua trémula fazes vibrar de uma ponta à outra,
e a minha língua, entre queixumes, de um lado e de outro sugas,
com o suave bafo do teu suspiro,
meigo, macio, húmido,
e o alento, ó Neera, da minha pobre vida,
quando sorves o meu bafo fraco,
ardente, torrado num excesso de fervura,
torrado no fogo de um coração desfalecido.
Esquivas-te depois às minhas chamas, ó Neera,
com o sopro de um peito que consome o meu fogo.
Ó brisa deliciosa da minha chama!
Aí afirmo: Amor é o deus dos deuses,
e deus algum é superior ao Amor.
Se há contudo alguém maior que o Amor,
tu, só tu, ó Neera, és maior.
in “Livro dos Beijos” sec. XVI
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