Jean Everaets – “Beijo VIII”
15.01.2012
Que loucura, Ó Neera,
minha doida, te fez
assim atacar,
te fez assim atiçar a minha língua
com uma feroz mordidela?
Será que todas as aguçadas
flechas que de ti suporto sozinho,
por todo o meu peito,
te sabem ainda a pouco?
A não ser que com esses teus dentes lascivos
cometas algum crime
contra aquele membro nefando
com que tantas vezes, ao raiar do sol,
com que tantas vezes ao sol poente,
com que por longos dias
e amargas noites
eu cantava as tuas graças?
Esta é – não vês, Ó ignorante?
esta é aquela minha língua,
que os encaracolados cabelos,
que os cintilantes olhos,
que os seios cor de leite,
que o pescoço tão delicado
da minha adorável Neera
num doce verso levava às estrelas,
muito além das chamas de Júpiter,
para inveja do céu.
Ela que te chamava a minha saúde,
que te chamava a minha vida,
a flor da minha alma,
e te chamava meu amor,
e meu prazer,
e minha Díone,
e minha pomba,
minha branca rola,
para inveja de Vénus.
Por ventura é isso mesmo
que te agrada, na tua altivez:
desferir um golpe naquela
que por ferida alguma
– minha beleza – pode
inchar de tamanha raiva;
que para sempre esses teus olhos,
que para sempre esses teus lábios
e esses teus dentes de luxúria,
que me fizeram sofrer,
no meio do seu próprio sangue,
a balbuciar há-de cantar?
Ó, soberba força da beleza.
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