Nota biográfica

Francisco José Tenreiro, foi um geógrafo e poeta são-tomense. Foi docente no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina, atual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. (Wikipédia)

Francisco José Tenreiro – “Romance de Sinhá Carlota”

19.02.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

cachimbo

Na beira do caminho
sinhá Carlota
está pitando no seu cachimbo.

Um círculo de cuspo
a seu lado…

Veio do Sul
numa leva de contratados.
Teve filhos negros
que trocam hoje peixe
por cachaça.
Teve filhos mestiços.
Uns
forros de a.b.c.
perdidos em rixas de navalhas.

Outros foram ao norte
com seus pais brancos
e o seu coração
já não lembra o rostinho deles!

Sinhá Carlota
veio há muito do sul
numa leva de contratados…

Assim
embora pra seu branco
o seu corpo não baile mais no socopé
ele ao passar
fica sempre dizendo:
sábuá?

Sinhá Carlota
nos olhos cansados e vermelhos
solta um achô distante
enquanto vai pitando
no seu cachimbo carcomido…

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Francisco José Tenreiro – “Corpo Moreno”

09.02.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

morena

Se eu dissesse que o teu corpo moreno
tem o ritmo da cobra preta deslizando
mentia.
Mentia se comparasse o teu rosto fruto
ao das estátuas adormecidas das velhas civilizações de África
de olhos rasgados em sonhos de luar
e boca em segredos de amor.

Como a minha Ilha é o teu corpo mulato
tronco forte que dá
amorosamente ramos, folhas, flores e frutos e há frutos
na geografia de teu corpo.

Teu rosto de fruto
olhos oblíquos de safú
boca fresca de framboesa silvestre
és tu.

És tu minha Ilha e minha Africa
forte e desdenhosa dos que te falam à volta.

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Francisco José Tenreiro – “Canção do mestiço”

22.01.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

valdemar_doria
(Pintura de Valdemar Dória)

Mestiço!


Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como quem olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de quem me vê.

Mestiço!

E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição
como 1 e 1 são 2.
Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso
mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.


Ah!
Mas eu não me danei…
E muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor!…

Mestiço!

Quando amo a branca
sou branco…

Quando amo a negra
sou negro…

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