E. M. de Melo e Castro – “Poesia Visual”
15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
E. M. de Melo e Castro, nome literário de Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro, foi um engenheiro, poeta, ensaísta, escritor e artista plástico português. Figura multifacetada, autor de uma obra caracterizada pela construção de experiências com vários materiais e vários média, a ação de E. (1932, Covilhã - 29 de agosto de 2020, São Paulo, São Paulo, Brasil) Wikipédia
15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
todos os poemas são visuais
porque são para ser lidos
com os olhos que veem
por fora as letras e os espaços
mas não há nada de novo
em tudo o que está escrito
é só o alfabeto repetido
por ordens diferentes
letras palavras formas
tão ocas como as nozes
recortadas em curvas e lóbulos
do cérebro vegetal : nozes
os olhos é que veem nas letras
e nas suas combinações
fantásticas referências
vozes sobretudo da ausência
que é a imagem cheia
que a escrita inflama
até ao fogo dos sentidos
e que os escritos reclamam
para se chamarem o que são
ilusões fechadas para
os olhos abertos verem
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
entre o real e o irreal
está a ambiguidade do imaginário
entre o real e o imaginário
está a ambiguidade dupla da invenção
entre o imaginário e o irreal
está a duplicidade ambígua da fantasia
entre o real e a invenção
está a ambiguidade tripla do rigoroso
entre o irreal e a fantasia
está a triplicidade bi-ambígua do sonho
entre o rigoroso e o real
está a quádrupla ambiguidade da ciência
entre o sonho e o irreal
está a quíntupla multi-ambiguidade da alucinação
entre a ciência e a alucinação
está a exponencial simplicidade
da dupla real e irreal
em gravidade zero
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
A poesia é um gozo
um uso sabido
do uso errado
A poesia é um gozo
e se o não é
a culpa é do vizinho do lado
A poesia é um gozo
de palavras paralelas
daquelas
que não há
A poesia é um gozo
como um osso
encravado
A poesia é um gozo
o leitor
deve sentir-se gozado
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
da pouca pesca
a pedra surge
como sombra de vício
de encontrar
uma forma textura
que propõe
seduzindo
o sinal desvendar
a pesquisa é o início
a sedução do olhar
o sinal que se abre
para ler e contar
mas como aprendizagem
de encontrar e entender
a estrutura do verso
é de pedra
de pedra.
(in Corpos Radiantes, &etc, 1982)
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
se olho as tuas pernas digo duas pernas
sem pensar mais nas pernas que nas pregas
mas sinto as tuas pernas duas pernas
mais do que sinto as pregas como pregas
e nem pregas nem pregos nem pregões
me podem impedir de pensar pernas
quando as duas e tuas pernas pões
na posição das diagonais eternas
e entre as pernas que tu usas tuas
e a única palavra que as nomeia
e o volume de que faço nuas
surge a imagem súbita do prego
que se prega nos olhos e que fura
no duro centro aonde a imagem dura
(in Sim… Sim! – Poemas Eróticos, Editora Vega, 2000)
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
o poeta é a merda do universo:
possui todas as características do dejecto.
Concentra em si a digestão do gesto;
a genofagia do êxtase;
a plastocontracção do fluído;
a cagoécia espantorreica do astro;
a fenoinflação do susto;
a culotáctica alviltrante do entre;
a congestomatia da fúria;
a subruptura do esfincter;
a tirano contúcia do tesão;
a esprotuberância dos dedos;
a ultrafragância cliotoriana da nuvem;
a protoputática do cio;
a venusiana contursão do ingesto;
o factócio odor da pituitogonoraica alga;
a fundibular arrogância do ronco;
a incobutência lacunar do humor;
a factoécia consistência da cístole;
o infrutífero agosto do genefágio;
o estro da alticonturbância da bacia;
a penis implacência da pesnínsula;
a fictofinura insinular da inflostrutura;
o oginato fulgor do anão anal;
a parapirotécnica do sobre;
a ficta inflogestão do gestual subjectinvo;
o adjecto fragor do estrondo;
a fúrica arragância do cilindro;
a exalo ternura da ubstância mole;
o facto falância mulhada;
o duro durão do melotão;
a igno rrância das bactárias;
a ultra panterroico fulminância;
a coiso coisíssima nenhuma.
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
mamilos ilhas
do mar elástico
flores
na pele do peito
negro loiro
perfume volume
clítoris
da face do êxtase
vento oscilando
cúpula no mastro
glande
rubra de neve
na pele do deserto
areia movediça
cetim
de dedos cactus
fundo e claro
obscuro fluxo
canto
do olho aberto
figura esguia
peixe na água
lava
por fenda fina
a saliva sabe
do sol o toque
beijo
eixo na boca
vôo no ritmo
das asas duplas
cópula
única é a ave
volume ocupando
espaço da mão
flecha
redonda logo
olhos abertos
na cor da noite
voláteis
cristais de luz
na onda anda
um outro lugar
vulva
volume vago
o ambíguo dizer
pedra de toque
pénis
no calor dos olhos
carícia outra
leve fluir
língua
toque ácido
total orgasmo
nulo de nada
luz
sobre a iluminação
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
mais difícil é falo
que falá-lo
mais difícil é língua
do que lua
mais difícil é dado
do que dá-lo
mais difícil vestida
do que nua
mais fácil é o aço
do que achá-la
mais fácil é dizê-la
que contê-la
mais fácil é mordê-la
que comê-la
mais fácil é aberta
do que certa
nem difícil nem fácil
nem aço nem licor
nem dito nem contacto
nem memória de cor
só mordido só tido
só moldado só duro
só molhada de escuro
só louca de sentido
fácil de falá-lo
difícil de contê-lo
o melhor é calá-lo
o melhor é fodê-lo
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10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
e de repente a língua se liberta do peso que se teve.
água corre na água.
o corpo livre
e abrem- se os seIltidos
no orgasmo da luz
ver e não ver
ouvir e não ouvir
tocar e não tocar
cheirar e não cheirar
sabor e não sabor
tudo é saber
da mesma forma o peso
do não peso
o dar do receber
a posse do poder
como se de repente
as mãos o peito
os pés as pernas
fossem sexos unidos
ou os sextos sentidos
somados divididos 1
no momento de vir.
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