Rimance – “Dona Silvana”
22.06.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
O rimance (forma arcaica de romance) ou xácara é o termo que, na literatura peninsular, equivale à balada europeia, curto poema épico cantado, originalmente popular e de transmissão oral.
22.06.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Indo a Dona Silvana
Pelo corredor acima
A tocar sua guitarra
(Oh, que tão bem a tangia!…)
Foi acordando seus pais
Que sua sesta dormiam.
— Tu que tens, Dona Silvana,
Tu que tens, ó filha minha?
— Ver minhas irmãs casadas
Vestidas à maravilha…
Eu, por ser a mais fermosa,
Por que razão ficaria?
— Não tenho com quem te case,
Senão bem te casaria…
Só se for conde Alberto…
(É casado e tem família…)
— Mande-mo aqui chamar
De sua parte e da minha.
Quero falar com ele
Dentro de uma Ave-Maria.
— Aqui estou, real senhor.
Que quer vossa senhoria?
— Quero que mates viscondessa
Pra casar com filha minha.
— Viscondessa não na mato
Que a morte não lhe é merecida.
— Mata, mata, conde Alberto,
Senão eu tiro-te a vida.
Indo o conde para casa
Mais triste que o mesmo dia,
Mandou fechar as janelas
Pra não ver que era dia;
Mandou pôr a sua mesa
Para fazer que comia.
As lágrimas eram tantas,
Já pela mesa corriam.
— Tu que tens, ó conde Alberto,
Tu que tens, ó meu amor?
— Manda o Rei que te matasse,
Manda o Rei e meu senhor.
Só se fosses pra um convento
Como freira recolhida…
— Darias-me o pão por onça
E a água por medida…
Ainda a palavra não era dita,
Já o Rei batia à porta:
Que lhe mandasse a cabeça,
Que era com pena de morte.
Que lha não desse trocada,
Que ele bem na conhecia.
— Adeus, moços, adeus, moças,
Adeus, espelho onde me eu via!
Adeus, jardins de flores,
Onde eu me advertia!
Anda cá, ó meu menino,
Que te quero abraçar!
Anda cá, ó meu menino,
Que te quero dar de mamar!
Mama, mama, meu menino,
Este leite de paixão:
Hoje, contigo nos braços,
Amanhã, já no caixão.
Mama, mama, meu menino,
Este leite de amargura:
Hoje, contigo nos braços,
Amanhã, na sepultura.
Toca o sino no palácio…
— Ó mamã, quem morreria?
— Morreu a Dona Silvana
Pela traição que fazia:
Descasar os bem casados,
Coisa que Deus não queria.
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21.06.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Lá vem a Nau Catrineta,
Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava mais de ano e dia,
Que iam na volta do mar.
Deitaram sola de molho,
Para o outro dia jantar.
Mas a sola era tão rija,
Que a não puderam tragar.
Deitaram sortes ao fundo,
Qual se havia de matar.
Logo a sorte foi cair
No capitão general.
– Sobe, sobe, marujinho,
Àquele tope real,
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal.
– Alvíssaras, capitão,
Meu capitão-general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal.
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas,
está no meio a chorar.
– Todas três são minhas filhas,
Oh, quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.
– A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.
– Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar.
– Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar.
– Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.
– Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar.
– Dar-te-ei a Nau Catrineta,
para nela navegar.
– Não quero a Nau Catrineta,
Que a não sei governar.
– Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?
– Capitão, quero a tua alma,
Para comigo a levar.
– Renego de ti, demónio,
Que me estavas a tentar.
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou-o eu ao mar.
Tomou-o um anjo nos braços,
Não no deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar.
E à noite a Nau Catrineta,
Estava em terra a varar.
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20.06.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
– “Já se apregoam as guerras
Entre França e Aragão:
Ai de mim que já sou velho,
Não nas posso brigar, não!
De sete filhas que tenho
Sem nenhuma ser varão! …
”
Responde a filha mais velha
Com toda a resolução:
– “Venham armas e cavalo
Que eu serei filho varão.”
– “Tendes los olhos mui vivos,
Filha, conhecer-vos-ão.”
– “Quando passar pela armada
Porei os olhos no chão.”
- “Tendes los ombros mui altos
Filha, conhecer-vos-ão.”
- “Venham armas bem pesadas,
Os ombros abaterão.”
- “Tendes los peitos mui altos
Filha, conhecer-vos-ão.”
- “Venha gibão apertado,
Os peitos encolherão.”
– “Tendes las mãos pequeninas
Filha, conhecer-vos-ão.”
- “Venham já guantes de ferro,
E compridas ficarão.”
– “Tendes los pés delicados,
Filha, conhecer-vos-ão.”
– “Calçarei botas e esporas,
Nunca delas sairão.”
– “Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.”
– “Convidai-o vós, meu filho,
Para ir convosco ao pomar,
Que se ele mulher for,
À maçã se há-de pegar.
”
A donzela por discreta,
O camoês foi apanhar,
– “Oh que belos camoeses
Para um homem cheirar!
Lindas maçãs para damas
Quem lhas pudera levar!”
- “Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher de homem não.”
– “Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco jantar;
Que, se ele mulher for
No estrado se há-de encruzar.
”
A donzela, por discreta,
Nos altos se foi sentar.
– “Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.”
– “Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco feirar;
Que, se ele mulher for,
Às fitas se há-de pegar.
”
A donzela, por discreta,
Uma adaga foi comprar.
– “Oh que bela adaga esta
Para com homens brigar!
Lindas fitas para damas:
Quem lhas pudera levar!”
– “Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não.”
– “Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco nadar;
Que, se ele mulher for,
O convite há-de escusar.
”
A donzela por discreta,
Começou-se a desnudar…
Traz-lhe o seu paje uma carta,
Pôs-se a ler, pôs-se a chorar;
– “Novas me chegam agora,
Novas de grande pesar;
De que minha mãe é morta,
Meu pai se está a finar.
Os sinos da minha terra
Os estou a ouvir dobrar;
E duas irmãs que eu tenho,
Daqui as oiço chorar.
Monta, monta, cavaleiro!
Se me quer acompanhar.
”
Chegavam a uns altos paços
Foram-se logo apear.
– “Senhor pai. trago-lhe um genro,
Se o quiser aceitar;
Foi meu capitão na guerra,
De amores me quis contar…
Se ainda me quer agora,
Com meu pai há-de falar.
”
Sete anos andei na guerra
E fiz de filho varão.
Ninguém me conheceu nunca
Senão o meu capitão;
Conheceu-me pelos olhos,
Que por outra coisa não.
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20.06.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.
– “Dize-me, Ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava.”
– “Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada…
Dize-me tu, Ó senhora,
As senhas que ele levava.”
– “Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.”
– “Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava.”
– “Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada!…
– “Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
- “Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i.”
– “Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
– “De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gerzeli:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei pra si.”
– “Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem to trouxera aqui?”
– “As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.”
– “As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?”
– “De três filhas que eu tenho,
Todas três te dera a ti:
Uma para te calçar.
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.”
– “As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui.
– “Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.”
– “Tudo, não, senhora minha,
Que inda te não deste a ti.”
– “Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!”
– “Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti. ..
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-Ia aí!”
– “Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi!…
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui.”
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