Nota biográfica >>

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas (Póvoa de Atalaia, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005). Apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional, Eugénio de Andrade sempre viveu distanciado da chamada vida social, literária ou mundana, tendo o próprio justificado as suas raras aparições públicas com «essa debilidade do coração que é a amizade».

“Corpo Habitado”, poema de Eugénio de Andrade.

11.07.2022

Corpo num horizonte de água, corpo aberto

à lenta embriaguez dos dedos, corpo defendido pelo
fulgor das maçãs,

rendido de colina em colina, corpo amorosamente
humedecido pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa de secreto jardim,

corpo onde entro em casa, corpo onde me deito
para sugar o silêncio, ouvir 
a
música das espigas, respirar 

a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,

e todas fulvas de alegria,

todas para sorver,

todas para morder até que um grito irrompa das
entranhas 
e
suba às torres,

e suplique um punhal.



Corpo para entregar às lágrimas.

Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim – meu oceano breve

e branco,

minha secreta embarcação, meu vento favorável,

minha vária e sempre incerta navegação.

Facebooktwittermailby feather
89138913