Joaquim Manuel Magalhães – “Já não fácil, Eugénio, um poema.”
02.12.2015
Outrora várias vezes versos esperei
onde ficava fechada a amizade e vinham
num jogo de acalmia os instrumentos
de desenhar esse grão de penumbra. Enquanto
a casa e o corpo me protegiam.
Hoje tenho esta certeza de dizer-lhe
que nem a poesia é uma casa, nem faz senão
expor-nos ao banal num corpo já
entregue a bisturis, apenas o espera cada
cinza.
A claridade a que tento escrever-lhe
é tumefacta como um órgão ferido,
está sujeita numa cortina suja
e é à salgação da morte
que na janela adormecem os contornos.
Passámos na vida pelas nossas vidas
e, sabe que é raro, tudo esteve certo.
Agora é esperar o canto enfermo,
o banimento,
nem um abraço ficará
de nenhum de nada de nós.
Talvez nessa altura fogos presos nos
acendam em barcos as palavras,
estrondos surdos de luz cruzem a água
diante da qual por algum tempo a mão de
alguém fará lembrar esses focos da noite,
esquivos, impossíveis de tocar.
E nessas brasas de tanta cor outros
escutam o desaparecimento.
Poema de Joaquim Manuel Guimarães, ilustração de Gustavo Matos, ambos retirados do livro “Aproximações a Eugénio de Andrade”, editado pela ASA com o patrocínio a BIAL, coordenação de José da Cruz Santos e Direção gráfica de Armando Alves.
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