Nota biográfica >>

Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas (Póvoa de Atalaia, 19 de Janeiro de 1923 — Porto, 13 de Junho de 2005). Apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional, Eugénio de Andrade sempre viveu distanciado da chamada vida social, literária ou mundana, tendo o próprio justificado as suas raras aparições públicas com «essa debilidade do coração que é a amizade».

Eugénio de Andrade – “Os olhos rasos de água”

31.10.2014

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Cansado de ser homem durante o dia inteiro
chego à noite com os olhos rasos de água.
Posso então deitar-me ao pé do teu retrato,
entrar dentro de ti como num bosque.

É a hora de fazer milagres: posso ressuscitar os
mortos e trazê-los a este quarto branco e
despovoado, onde entro sempre pela primeira
vez, para falarmos das grandes searas de trigo
afogadas na luz do amanhecer.

Posso prometer uma viagem ao paraíso a
quem se estender ao pé de mim, ou deixar
uma lágrima nos meus olhos ser toda a
nostalgia das areias.

É a hora de adormecer na tua boca,
como um marinheiro num barco naufragado,
o vento na margem das espigas.

[Póvoa de Atalaia, Fundão, 1923]

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