Nuno Rebocho – “Magoadas águas”
04.07.2012
que mágoas lava a água quando me recolho? e que seixos
mancha quando me devolvo? e que entrementes correm
nos seus leitos os rios onde me não deito? e onde endurecem
as dores que escurecem as tardes do meu corpo feito
de saudades e liberdades? e que cidades vagueiam no esconso
pranto dos alardes consumidos e eu te olho e não decido
apenas da minha parte a parte dada
para outro recomeço
e novas águas e novo endereço
para uma ansiedade iniciada
no lugar da espera.
então ouvi as lágrimas do meu abandono
— outras águas, manos, outras mágoas —
e te vi no palco dos anúncios onde distante eras:
olhei e murei-me
e então me dei sem remédio à renúncia
no encerrado porto sem farol
porque aí me deposito e sorvo
nas roladas pedras os poucos bagos
encalhados entre estragos
de tanta água despejada e tanto estorvo.
mas sobre a ribeira seca as mãos em concha
ainda anseiam a chuva: ainda mexem
no suor dos desenganos enquanto as águas
dos milagres se evaporam e apodrecem.
assim me esqueço nas coisas que não acontecem.
(Poema premiado num concurso organizado pelo bloque Porosidade Etérea)
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