Nota biográfica

Florbela Espanca (Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de Dezembro de 1930), batizada como Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, é uma conhecida e popular poetisa portuguesa. A sua vida, de apenas trinta e seis anos, foi tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotismo, feminilidade e panteísmo.

“O que tu és…”, poema de Florbela Espanca.

09.02.2022 | Produção e voz: Luís Gaspar

És Aquela que tudo te entristece

Irrita e amargura, tudo humilha;

Aquela a quem a Mágoa chamou filha; 

A que aos homens e a Deus nada merece.

Aquela que o sol claro entenebrece

A que nem sabe a estrada que ora trilha.

Que nem um lindo amor de maravilha 

Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!

Mar-Morto sem marés nem ondas largas,

A rastejar no chão como as mendigas, 

Todo feito de lágrimas amargas!

És ano que não teve Primavera…

Ah! Não seres como as outras raparigas

Ó Princesa Encantada da Quimera!…

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“Fumo” de Florbela Espanca.

27.01.2022 | Produção e voz: Luís Gaspar

Longe de ti são ermos os caminhos,

Longe de ti não há luar nem rosas;

Longe de ti há noites silenciosas,

Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos

Perdidos pelas noites invernosas… 

Abertos, sonham mãos cariciosas,

Tuas mãos doces plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram… choram…

Há crisântemos roxos que descoram…

Há murmúrios dolentes de segredos…

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! 

E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,

Fumo leve que foge entre os meus dedos!…

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“Que importa?…”, poema de Florbela Espanca.

08.12.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Eu era a desdenhosa, a indif’rente. 

Nunca sentira em mim o coração

Bater em violências de paixão 

Como bate no peito à outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente.

Sem sombra de Desejo ou de emoção, 

Enquanto a asa loira da ilusão

Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.

Minh’alma, a pedra, transformou-se em fonte;

Como nascida em carinhoso monte

Toda ela é riso, e é frescura, e graça!

Nela refresca a boca um só instante…

Que importa?… Se o cansado viandante 

Bebe em todas as fontes… quando passa?…

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“Horas Mortas”, poema de Florbela Espanca.

24.11.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
– Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

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“Os meus versos” poema de Florbela Espanca.

22.10.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!…

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente..

Rasgas os meus versos… Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!…

In: “A Mensageira das Violetas”

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“Eu” de Florbela Espanca.

04.10.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Até agora eu não me conhecia,
julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
mesmo que o soubesse, o não dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim… e não me via!

Andava a procurar-me – pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

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“Vaidade” de Florbela Espanca.

27.08.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Sonho que sou a Poetisa eleita, 

Aquela que diz tudo e tudo sabe, 

Que tem a inspiração pura e perfeita, 

Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade!

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo… 

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando.

Acordo do meu sonho… E não sou nada!.

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Florbela Espanca – “Soneto VII”

01.11.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar

São mortos os que nunca acreditaram
Que esta vida é somente uma passagem,
Um atalho sombrio, uma paisagem
Onde os nossos sentidos se poisaram.

São mortos os que nunca alevantaram
De entre escombros a Torre de Menagem
Dos seus sonhos de orgulho e de coragem,
E os que não riram e os que não choraram.

Que Deus faça de mim, quando eu morrer,
Quando eu partir para o País da Luz,
A sombra calma de um entardecer,

Tombando, entre doces pregas de mortalha,
Sobre o teu corpo heróico, posto em cruz,
Na solidão dum campo de batalha!

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Florbela Espanca – “Folhas de Rosa”

07.04.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar

Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol.
Eu vou falar com elas em segredo…

E falo-lhes d’amores e de ilusões,
Choro e rio com elas, mansamente…
Pouco a pouco o perfume do outrora
Flutua em volta delas, docemente…

Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m’embriaga

O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que reflectia outrora tantos risos,
E agora reflecte apenas pranto.

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Florbela Espanca – “Tardinha…”

16.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

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Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços …

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca … o eco dos teus passos
O teu riso de fonte … os teus abraços
Os teus beijos … a tua mão na minha .

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca …
Quando os olhos se me cerram de desejo
E os meus braços se estendem para ti.

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Florbela Espanca – “Frémito”

21.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus olhos por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas …

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas …

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Florbela Espanca – “A um moribundo”

09.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono …

A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono …

O que há depois? Depois? .. O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?

Que importa? Que te importa, ó moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!. ..

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Florbela Espanca – “Charneca em flor”

09.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frémito das coisas dolorosas …
Sob as urzes queimadas nascem rosas …
Nos meus olhos as lágrimas apago …

Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E, nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E já não sou, Amor, Soror Saudade …

Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor

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Florbela Espanca – “Frémito do meu corpo”

09.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas …

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas …

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Florbela Espanca – “Horas rubras”

09.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas …

Ouço as olaias rindo desgrenhadas …
Tombam astros em fogo, astros dementes.
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas …

Os meus lábios são brancos como lagos …
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras …

Sou chama e neve branca misteriosa …
E sou talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

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Florbela Espanca – “Os versos que te fiz”

09.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Deixe dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Tem dolencia de veludo caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não te digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei…
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz.

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Florbela Espanca – “Se tu viesses ver-me, hoje, à tardinha”

09.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços …

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca … o eco dos teus passos .
O teu riso de fonte … os teus abraços .
Os teus beijos … a tua mão na minha .

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca ..
Quando os olhos se me cerram de desejo .
E os meus braços se estendem para ti. ..

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Décima quinta HORA

25.09.2010 | Produção e voz: Luís Gaspar

Em cerca de uma hora, poderá ouvir a seguinte poesia:
Século de Ouro Espanhol I de autores anónimos (sec XVI e XVII), 5 poemas; David Mourão-Ferreira, 5 poemas; Florbela Espanca, 5 poemas; José Saramago, um excerto da sua obra; poesia hindu do sec X atribuída a Bilhana, 25 curtos poemas; Século de Ouro Espanhol II de autores anónimos (sec. XVI e XVII), 5 poemas

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