Camilo Pessanha – “Floriram por engano as rosas bravas”
27.01.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar
Camilo Almeida Pessanha (Coimbra, 7 de Setembro de 1867 — Macau, 1 de Março de 1926) foi um poeta português. É considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, além de precursor do princípio modernista da fragmentação.
27.01.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar
Floriram por engano as rosas bravas No Inverno:
veio o vento desfolhá-las… Em que cismas, meu
bem? Porque me calas As vozes com que há pouco
me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!… Onde vamos,
alheio o pensamento, De mãos dadas? Teus olhos,
que um momento Perscrutaram nos meus, como vão
tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve, Surda, em
triunfo, pétalas, de leve Juncando o chão, na
acrópole de gelos…
Em redor do teu vulto é como um véu! Quem
as esparze – quanta flor! – do céu, Sobre nós
dois, sobre os nossos cabelos?
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16.08.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Porque o melhor, enfim, É
não ouvir nem ver…
Passarem sobre mim E nada me doer!
— Sorrindo interiormente,
Co’as pálpebras cerradas, Às
águas da torrente Já tão
longe passadas. —
Rixas, tumultos, lutas, Não
me fazerem dano… Alheio
às vãs labutas, Às estações
do ano.
Passar o estio, o outono,
A poda, a cava, e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.
Melhor até se o acaso O
leito me reserva No prado
extenso e raso Apenas sob a
erva
Que Abril copioso ensope…
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.
Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício
Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas, Com
choques de armaduras E
tinidos de espadas…
Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,
Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos…
Roubos, assassinatos! Horas
jamais tranquilas, Em brutos
pugilatos Fracturam-se as
maxilas…
E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada, Muito
quietinho. A rir-me De não
me doer nada.
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09.07.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, — meus tão castos lençóis? Do
meu jardim exíguo os altos girassóis Quem foi que os
arrancou e lançou no caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!) A
mesa de eu cear, — tábua tosca de pinho? E me
espalhou a lenha? E me entornou o vinho? — Da
minha vinha o vinho acidulado e fresco…
O minha pobre mãe!… Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova…
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe… Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.
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08.07.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Floriram por engano as rosas bravas No inverno:
veio o vento desfolhá-las… Em que cismas, meu
bem? Porque me calas As vozes com que há
pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!…
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve, Surda, em
triunfo, pétalas, de leve Juncando o chão, na
acrópole de gelos…
Em redor do teu vulto é como um véu! Quem
as esparze — quanta flor! —, do céu, Sobre nós
dois, sobre os nossos cabelos?
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10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Camilo Almeida Pessanha (Coimbra, 7 de Setembro de 1867 — Macau, 1 de Março de 1926) foi um poeta português.
É considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, além de antecipador do princípio modernista dafragmentação.
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.
Se é amar te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno…
Mas sinto me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo…
Eu não sei que mudança a minha alma pressente…
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
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10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.
Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso …
Que delícia sem fim!
Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distância reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila)
Na areia imensa e plana,
Ao longe, a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte,
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana …
A inútil dor humana!
Marcha, curvada a fronte.
Até ao chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados,
Os seus magros perfis;
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis.
A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
Pavidamente gemem,
A cada golpe gemem,
Que os desequilibra.
Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem,
Soergue-os o terror …
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-Ios que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor …
E ali fiquem serenos,
De costas e serenos …
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas,
Ó céus claros e amenos,
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas!
A dor, deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento.
Ó Morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa …
Tudo vermelho em flor …
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