Camilo Pessanha – “Porque o melhor…”
16.08.2013
Porque o melhor, enfim, É
não ouvir nem ver…
Passarem sobre mim E nada me doer!
— Sorrindo interiormente,
Co’as pálpebras cerradas, Às
águas da torrente Já tão
longe passadas. —
Rixas, tumultos, lutas, Não
me fazerem dano… Alheio
às vãs labutas, Às estações
do ano.
Passar o estio, o outono,
A poda, a cava, e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.
Melhor até se o acaso O
leito me reserva No prado
extenso e raso Apenas sob a
erva
Que Abril copioso ensope…
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.
Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício
Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas, Com
choques de armaduras E
tinidos de espadas…
Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,
Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos…
Roubos, assassinatos! Horas
jamais tranquilas, Em brutos
pugilatos Fracturam-se as
maxilas…
E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada, Muito
quietinho. A rir-me De não
me doer nada.
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