“Ao Manuel Torre do Valle” de Rui Cinatti.
12.08.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
Ruy Cinatti Vaz Monteiro Gomes (Londres, 8 de Março de 1915 — Lisboa, 12 de Outubro de 1986) foi um poeta, antropólogo e agrónomo português.
12.08.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
Quando o amor morrer dentro de ti,
Caminha para o alto onde haja espaço,
E com o silêncio outrora pressentido
Molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
E neles ateia o fogo adormecido
Que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
Espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
E o nocturno calor que se debruça
Sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
Que mil saudosas lágrimas velaram;
Desfralda na tua alma o inventário
Do templo onde a vida ora de bruços
A Deus e aos sonhos que gelaram.
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01.08.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Quando eu partir, quando eu partir de novo,
A alma e o corpo unidos,
Num último e derradeiro esforço de criação;
Quando eu partir…
Como se um outro ser nascesse
De uma crisálida prestes a morrer sobre um muro estéril,
E sem que o milagre lhe abrisse
As janelas da vida…
Então pertencer-me-ei.
Na minha solidão, as minhas lágrimas
Hão-de ter o gosto dos horizontes sonhados na adolescência,
E eu serei o senhor da minha própria liberdade.
Nada ficará no lugar que eu ocupei.
O último adeus virá daquelas mãos abertas
Que hão-de abençoar um mundo renegado
No silêncio de uma noite em que um navio
Me levar para sempre
Mas ali
Hei-de habitar no coração de certos que me amaram;
Ali hei-de ser eu como eles próprios me sonharam;
Irremediavelmente…
Para sempre.
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10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Chorar pelos vivos que falecem
é natural – coisa lacrimal.
A carne sente a falta do costume
às tantas … tem fome.
Não choro ninguém.
Quando digo chorar é outra pressa
de chegar a tempo
da conversa atenta com um amigo
que nos quer bem.
Chorar por ninguém é chorar pelos vivos
que já morreram, sem o saber,
e vivem no seu presídio.
O resto, repito, é fisiologia
provocada, e ainda bem, pelo riso,
ou pela dor que temos de já ter nascido
e sermos chorados por alguém.
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