Reinaldo Ferreira – “Rosie”
13.03.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (Barcelona, 20 de Março de 1922; Lourenço Marques, 30 de Junho de 1959) foi um poeta português que realizou toda a sua obra em Moçambique. Filho do célebre Repórter X, do mesmo nome. Os primeiros poemas começam a ser publicados nos jornais e em revistas de artes e letras. Escreve teatro para a rádio e mais tarde, colabora no teatro de revista. Autor da letra de canções ligeiras, entre as quais Kanimambo, Uma Casa Portuguesa e Piripiri.
13.03.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh…
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une – é estarmos ausentes.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
São corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
São d’ónix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
Pérolas e ónix e corais são coisas,
E coisas não sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto que buscava na poesia,
Na paisagem, na música, Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crê, sinceramente crê,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que eu vejo.
E vejo lábios, olhos, dentes.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Que de nós dois
O mais sensato sou eu,
– É uma forma delicada
De dizeres que sou mais velho.
Ora é verdade
Ser eu quem tem mais idade.
Mas daí a ter juízo
Vai um abismo tão grande
Que é preciso,
Com certeza,
Que o digas com ironia
E nenhuma simpatia
Pelo engano em que vivo.
O engano de ter rugas
E nunca fitar um espelho …
Vê lá tu que eu não sabia
Que sou dos dois o mais velho.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Menina dos olhos tristes,
O que tanto a faz chorar?
– O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
Senhora de olhos cansados,
Porque a fatiga o tear?
– O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
Vamos, senhor pensativo,
Olhe o cachimbo a apagar.
– O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
Anda bem triste um amigo,
Uma carta o fez chorar.
– O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
A Lua, que é viajante,
É que nos pode informar.
– O soldadinho já volta,
Do outro lado do mar.
O soldadinho já volta,
Está quase mesmo a chegar.
Vem numa caixa de pinho.
Desta vez o soldadinho
Nunca mais se faz ao mar.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Aos domingos, iremos ao jardim.
Entediados, em grupos familiares,
Aos pares,
Dando-nos ares
De pessoas invulgares,
Aos domingos iremos ao jardim.
Diremos, nos encontros casuais
Com outros clãs iguais,
Banalidades rituais,
Fundamentais.
Autómatos afins,
Misto de serafins
Sociais
E de standardizados mandarins,
Teremos preconceitos e pruridos,
Produtos recebidos
Na herança
De certos caracteres adquiridos.
Falaremos do tempo,
Do que foi, do que já houve …
E sendo já então
Por tradição
E formação
Antiburgueses
– Solidamente antiburgueses.
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13.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.
Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva – nimbos e cerros
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.
Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.
Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores?
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