Nota biográfica

António Manuel Pires Cabral nasceu em Chacim, Macedo de Cavaleiros, em 1941. Licenciou-se em Filologia Germânica. É conhecido sobretudo como ficcionista e poeta. Na área da ficção, publicou até ao momento oito livros de contos e seis romances. Tem textos traduzidos para alemão, castelhano, catalão, eslovaco, francês, húngaro, inglês e italiano.

“Morangos” de Rui Pires Cabral.

31.08.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

No começo do amor, quando as cidades
nos eram desconhecidas, de que nos serviria
a certeza da morte se podíamos correr
de ponta a ponta a veia eléctrica da noite
e acabar na praia a comer morangos
ao amanhecer? Diziam-nos que tínhamos

a vida inteira pela frente. Mas, amigos,
como pudemos pensar que seria assim
para sempre? Ou que a música e o desejo
nos conduziriam de estação em estação
até ao pleno futuro que julgávamos

merecer? Afinal, o futuro era isto.
Não estamos mais sábios, não temos
melhores razões. Na viagem necessária
para o escuro, o amor é um passageiro
ocasional e difícil. E a partir de certa altura
todas as cidades se parecem.

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“A nossa vez” de Rui Pires Cabral

19.08.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

É o frio que nos tolhe ao domingo
no Inverno, quando mais rareia
a esperança. São certas fixações
da consciência, coisas que andam
pela casa à procura de um lugar

e entram clandestinas no poema.
São os envelopes da companhia
da água, a faca suja de manteiga
na toalha, esse trilho que deixamos
atrás de nós e se decifra sem esforço
nem proveito. É a espera

e a demora. São as ruas sossegadas
à hora do telejornal e os talheres
da vizinhança a retinir. É a deriva
nocturna da memória: é o medo
de termos perdido sem querer

a nossa vez.

Rui Pires Cabral, in ‘Longe da Aldeia’

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