Pedro Mexia – “Funerais”
12.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Pedro Mexia (Lisboa, 1972) é um escritor e crítico literário português. Licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa. Foi crítico e cronista no Diário de Notícias e no Público . Escreve actualmente no Expresso. Foi subdirector e director interino da Cinemateca Portuguesa. Tem colaborado regularmente em projectos das Produções Fictícias. É um dos membros do Governo Sombra, na TSF.
12.11.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Nos funerais encontramos a família.
Nunca fomos tão claros
como no luto
e nas memórias anedóticas
que amenizam o morto.
Que sangue é o teu
para que o meu se assemelhe?
Alguns velhos trazem flores
que já ofereceram nos casamentos
e entre eles decidem
que somos uma família,
conhecem os primos que não
conheço, lamentam a sorte
daqueles cuja sorte é conhecida,
são ainda mais graves
do que nós, e usam
diminutivos carinhosos.
O meu nome far-se-á pó
com o meu corpo, pensa
uma mulher que já é viúva,
há irmãos completamente mudos
e as crianças jogam à cabra-cega.
Seguimos em cortejo
compondo as gravatas,
o vento não percebe que morreu gente.
Dez pessoas acompanham o padre,
os outros já não se lembram
das orações,
dez pessoas pensam
no que têm pela frente,
os outros acompanham o caixão.
O coveiro mais novo
dentro de pouco tempo
enterrará o mais velho.
in Menos por Menos – Poemas Escolhidos, 2011
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09.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Cinquentonas adiposas
homens de bigode problemático
duas angustiadas estéreis
outras duas parideiras
velhos parados na sua velhice
funcionários tão públicos
uma adolescente esburacada
a mãe catastrófica
o jovem lamentável casal
uma miúda que só olha
um avô despedaçado,
todos na mesma fila que eu
para os comprimidos.
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09.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado,
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade.
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