Jorge de Castro – “Poalha dourada”
02.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Dinamizador das "Noites com Poemas" que se realizam na Biblioteca Municipal de Cascais, em São Domingos de Rana.
02.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
há uma poalha dourada
a escorrer pela fímbria do tempo
onde se desenham as volutas de corpos
atormentados de luxúria
na partilha das seivas vitais
sangue
sémen
saliva
e um restolhar doce
que pode ser o ruído arrastado dos passos de todos os espíritos
dançando um tango de Piazzolla no salão nobre dos dias
há um frémito que percorre o aposento
cheio de ausentes presenças
cheio de todos os nadas de tudo de que a vida é feita
e desfeita
contrafeita
um encontro furtivo de amantes
um estertor
ou um olhar repleto de pulsações
e quando a noite cai
ou o clima sossega
e as estrelas vogam no seu interminável
passeio pela eternidade
cada objecto reflecte um brilho único
que lhe é próprio e alheio
ao mesmo tempo
que lhe é próprio e alheio
porque assim é
porque assim se conjuga o intemporal presente
feito de tudo o que nos é próprio ou alheio
apenas por sermos
o que somos
e não qualquer outra coisa sem sentido.
(Poema que faz parte da banda sonora de um vídeo de Paulo Moura para divulgação da sua colecção de objectos eróticos)
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02.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Aqui um livro que não me deixavam ler; além um baralho de cartas que o pai guardava numa gaveta fechada a sete chaves; no armário da sala, por trás de copos, medalhas, e tralhas diversas, um cinzeiro metálico com uns relevos esquisitos; na arrecadação, numa velha caixa de cartão, um avental que só era usado em festas de amigos mais chegados e onde todos queriam meter a mão num bolso central que revelava uma conspícua protuberância…
O prazer estimulante de um sorriso brejeiro, a curiosidade avassaladora a que a vida vai dando mais perguntas e respostas, e tudo a pairar no sedimento dos objectos que nos vão rodeando, pelos degraus do nosso ser, altares de proibições sem sentido que, afinal, mais não são do que hinos, com redenção mais ou menos conseguida, à mesma vida que os sugeria.
Depois, guardar um objecto que se ri de nós e connosco, que lembra ou espicaça a aventura, que nasceu porventura das mãos de um sonho ansiado ou, muito ao contrário, de uma realidade degustada à exaustão.
Atrás desse, outro vem. O metal, o papel, o vidro, mas também a madeira, o plástico, o tecido, cúmplices e conluiados todos em estratagemas subversivos, perversos, amorais, para desinquietarem os espíritos ou para marcarem presença de troféu aventureiro, concretizado e irredutível.
Um a um se juntam os objectos como as lembranças, para edificarem o que queremos filtrar das vivências. E somos essa manta de retalhos, estranhamente unificada no edifício coerente, por onde correm os medos e as virtudes, as alegrias e os pecados, em suma o acto de coragem de se estar vivo.
Pode haver arte, com primores técnicos ou artesanalmente rupestre. Nada disso importa, para além do incontrolável sorriso que a gravura, o relato, a escultura, a pintura, o engenho projecta no material seleccionado pelas mãos para dar corpo ao que a mente anseia…
Levanta-te e caminha? Porque não, se está ali tão representada a força vital mais derradeira da Humanidade?
2 de Setembro de 2011
Texto escrito para um vídeo produzido por Paulo Moura para divulgação da sua colecção de objectos eróticos
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