Carlos Eurico da Costa – “Neste dia…”
26.03.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Carlos Eurico da Costa (Viana do Castelo, 1928 — Lisboa 1998) foi um escritor surrealista português , com actividade destacada na área do jornalismo e na indústria da publicidade (CIESA-NCK). Oposicionista ao Estado Novo, chegou a estar preso por motivos políticos enquanto cumpria serviço militar obrigatório.
26.03.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Neste dia meu amor
os meus dedos são o candelabro que te ilumina
o único existente.
E o homem
sua esfera perdida em mãos alheias
é o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o límpido cristal corrompido
o defunto.
E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.
Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene.
O caminho é grande o tempo tão pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vítreas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.
E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas não acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas próprias mãos
oculta para a contemplarmos agora.
in A Única Real Tradição Viva Antologia da Poesia Surrealista Portuguesa de Perfecto E. Cuadrado
Assírio & Alvim – 1998
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26.03.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Na cidade de Palaguin
o dinheiro corrente era olhos de crianças
Em todas as ruas havia um bordel
e uma multidão de prostitutas
frequentava aos grupos casas de chá.
Havia dramas e histórias de era uma vez
havia hospitais repletos:
o pus escorria da porta para as valetas.
Havia janelas nunca abertas
e prisões descomunais sem portas.
Havia gente de bem a vagabundear
com a barba crescida.
Havia cães enormes e famélicos
a devorar mortos insepultos e voantes.
Havia três agências funerárias
em todos os locais de turismo da cidade.
Havia gente a beber sofregamente
a água dos esgotos e das poças.
Havia um corpo de bombeiros
que lançava nas chamas gasolina.
Na cidade de Palaguin
havia crianças sem braços e desnudas
brincando em parques de pântanos e abismos.
havia ardinas a anunciar
a falência do jornal que vendiam;
havia cinemas: o preço de entrada
era o sexo de um adolescente
(as mães cortavam o sexo dos filhos
para verem cinema).
Havia um trust bem organizado
para exploração do homossexualismo
havia leiteiros que ao alvorecer
distribuíam sangue quente ao domicílio.
Havia pobres a aceitar como esmola
sacos de ouro de trezentos e dois quilos.
E havia ricos pelos passeios
implorando misericórdia e chicotadas.
Na cidade Palaguin
havia bêbados emborcando ácidos
retorcendo-se em espasmos na valeta.
Havia gatos sedentos
a sugar leite nos seios das virgens.
Havia uma banda de música
que dava concertos com metralhadoras;
havia velhas suicidas
que se lançavam das paredes para o meio da multidão.
Havia balneares públicos
com duches de vitríolo – quente e frio
– a população banhava-se frequentes vezes.
Na cidade de Palaguin
havia Havia HAVIA…
Três vezes nove um milhão.
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