Boris Vian – “Se os poetas fossem menos patetas”
07.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Boris Paul Vian (1920 — 1959), foi engenheiro, escritor, poeta, tradutor e cantautor francês, identificado com o movimento surrealista e ao anarquismo enquanto filosofia política. Hoje em dia é sobretudo lembrado pelos seus romances e canções.
07.10.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se os poetas fossem menos patetas
E se fossem menos preguiçosos
Faziam toda a gente feliz.
Para poderem tratar em paz
Dos seus sofrimentos literários
Construíam casas amarelas
Com grandes jardins à frente
E árvores cheias de zaves,
De mirliflautas e licores,
De melfiarufos e toutiverdes
De plumuchos e picapães
E pequenos corvos vermelhos
Que soubessem ler a sina.
Havia grandes repuxos
Com luzes por dentro.
Havia duzentos peixes
Desde o crusco ao ramussão
Da libela ao papamula
Da orfia ao rara curul
E da alvela ao canissão.
Havia um ar novo
Perfumado do odor das folhas
Comia-se quando se quisesse
E trabalhava-se sem pressa
A construir escadarias
De formas antes nunca vistas
Com madeiras raiadas de lilás
Lisas como ela sob os dedos.
Mas os poetas são uns patetas.
Escrevem para começar
Em vez de se porem a trabalhar.
E isso traz-lhes um remorso
Que conservam até à morte
Encantados de ter sofrido tanto.
Dedicam-lhes grandes discursos
E são esquecidos num dia.
Mas se trabalhassem mais
Só seriam esquecidos em dois.
Boris Vian, in “Não Queria Patear”
Tradução de Irene Freire Nunes / Fernando Cabral Martin
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