“Livro do Desassossego – Fragmento” de Bernardo Soares.
02.12.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
Bernardo Soares é um tipo particular de entre os heterónimos do poeta e escritor português Fernando Pessoa. É o autor do "Livro do Desassossego", escrito em forma de fragmentos.
02.12.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
O cansaço de todas as ilusões e de tudo que
há nas ilusões – a perda delas, a inutilidade de
as ter, o antecansaço de ter que as ter para
perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha
intelectual de as ter tido sabendo que teriam tal fim.
A consciência da inconsciência da vida é o
mais antigo imposto à inteligência. Há
inteligências inconscientes – brilhos do
espírito, correntes do entendimento, mistérios
e filosofias – que têm o mesmo automatismo
que os reflexos corpóreos, que a gestão que o
fígado e os rins fazem de suas secreções.
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Bernardo Soares é um tipo particular dentre os heterônimos de Fernando Pessoa. É o autor do Livro do Desassossego, escrito em forma de fragmentos. Apesar de fragmentário, o livro é considerado uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século XX.
A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis.
O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono, e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.
O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.
Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso — o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo.
Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.
(Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa.)
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