Alfredo Guisado – “Baloiço”
08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Alfredo Pedro Guisado (Lisboa, 30 de Outubro de 1891 - 2 de Dezembro de 1975) foi um poeta e jornalista português.
08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Na minha quinta, em pequeno,
Tive um inquieto baloiço
Que ainda o vejo sereno
E nele os meus gritos oiço.
Longas horas baloiçava
Meu frágil corpo menino.
E ora subia ou baixava
Num constante desatino.
Nesse baloiço, à distância,
Chama por mim minha infância
E eu chamo p’lo que passou.
E sem haver quem me oiça
O baloiço me baloiça
Entre o que fui e o que sou.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Ela vivia num palácio mouro…
Nas harpas, os seus dedos a espreitarem
como pajens curiosos, a afastarem
os cortinados todos fios de ouro.
As suas mãos, tão leves como as aves,
ora fugiam volitando, frias,
ora pousando, trêmulas, frias,
nas cordas, a sonharem melodias…
E os sons que ela tangia, aos seus ouvidos
chegavam, receosos de senti-la,
voltavam a não ser nunca tangidos.
É que ela, as suas mãos, as harpas de ouro,
não eram mais do que um supor ouvi-la
e o meu julgá-la num palácio mouro.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Ela. Seus braços vencidos,
Naus em procura do mar,
Caminhos brancos, compridos,
Que conduzem ao luar.
Se ao meu pescoço os enrola
Eu julgo, com alegria,
Que trago ao pescoço o dia
Como se fosse uma gola.
O Luar, lâmpada acesa
Pra alumiar à princesa
Que em meus olhos causa alarde.
E o dia, longe, esquecido,
É um lençol estendido
Numa janela da Tarde.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Os meus olhos são Índias de segredos.
É Portugal seu Corpo esguio e brando.
E as cinco quinas, seus compridos dedos
Em suas mãos, bandeiras tremulando.
Seus gestos lembram lanças. E ela passa…
Seu perfil de princesa faz lembrar
Batalhas que travaram ao luar,
Epopeia-marfim da minha Raça.
O seu olhar é tão doente e triste
Que me parece bem que não existe
Maior mistério do que o de prendê-lo.
Nos meus sentidos vive o seu sentir
E, às vezes, quando chora, põe-se a ouvir
Seu coração, velhinho do Restelo.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Apagou-se, por fim, o incerto lume,
que, em volta do meu ser, ainda ardia,
e o velho alfange, de inquietante gume,
cortou o voo que meu sonho erguia.
Apagou-se, por fim, o lume incerto
e fiquei-me entre as urzes, hesitante,
no local que pr’a o além era o mais perto
e pr’a voltar a mim o mais distante.
Abandonada, então, essa charneca,
vestida de silêncio, árida e seca,
rodeou-me a minha alma sonhadora.
Afastei-me. Acabei por me perder:
sem poder atingir o que quis ser
e sem poder voltar ao que já fora.
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