Vitorino Nemésio – “Canção do búzio velho.”
13.11.2013
Deixem-me ouvir no búzio velho,
Que me ofereceram por escárnio,
O grito da ave que no espelho Do
longo mar partiu a asa: E meu
coração — descarne-o Seu bico
ardente como uma brasa.
Deixem-me ouvir nesse antigo
Búzio de sala (que agora Os
sobrados são o mar) As vozes que
ele traz consigo Como o relógio dá a
hora Sem a gente lhe tocar.
Búzio ridículo, malhado, Casa onde
nunca entro, Assim torcido,
conservado Com frio e barulho
dentro: Se me falasses em voz alta
Todos ouviam o que eu ouço
Quando uma simples areia salta No
bafo estreito do teu poço, Búzio
velho, Meu começo e meu destroço.
Já que ninguém te aproveita,
Búzio de bicho comido,
Sejas meu
Aqui e em todo o lugar
Onde a minha mão te deita
Com o que soube e esqueceu,
Como um pouco de céu velho,
Búzio relho,
Minha boca e meu ouvido.
Ai!
Esta canção do búzio desusado,
Como a posso acabar dentro de mim,
Se eu sou o bicho dele despegado?
Talvez só cante lá para o fim,
Como o cisne agoniado…
Antes mais tarde, antes assim!
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