“Dulcineia”, poema de José Gomes Ferreira.
16.02.2022
Dulcineia, Dulcineia,
volte ao que era:
uma plebeia
sem primavera
Volte aos redis,
coberta de chagas
— sem espuma em gomis
nem brilho de adagas.
Volte ao que foi,
pois ainda conserva
um cheirinho a boi,
um cheirinho a erva…
Volte a apanhar pinhas
e bosta para os fornos.
E a tanger cabrinhas
com flores nos cornos.
Volte a andar de gatas
como os outros bichos…
E esqueça as serenatas
aos seus caprichos.
Esqueça o castelo
onde os donzéis
se batiam em duelo
à século XVI…
E volte à aldeia
da sua labuta.
Dulcineia, Dulcineia,
deixe de ser Ideia
e torne-se a carne e a alma
da nova luta.
(de A Morte de D. Quixote, in Poeta Militante / Viagem do Século Vinte em Mim – 1º volume, Moraes editores, 1977 – Círculo de Poesia)
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