Nota biográfica >>

Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987) foi um famoso poeta, contista e cronista brasileiro.

“Amar” de Carlos Drummond de Andrade.

05.10.2021

Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

amar e esquecer, amar e malamar,

amar, desamar, amar?

sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal,

senão rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,

o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,

e o que é entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o cru,

um vaso sem flor, um chão de ferro,

e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e

uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura
medrosa,

paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,

e na secura nossa amar a água implícita,

e o beijo tácito, e a sede infinita.

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