José Tolentino Mendonça – “Setembro”
10.12.2015
… quanto mais envelheço, mais pueril é a luz mas essa vai comigo.
Nesses dias distantes eu vagueava pelas matas
enchia a espingarda de chumbo e disparava
contra o silêncio das árvores altas
só para assistir ao espectáculo dos pássaros em debandada
experimentava uma exaltação—de que tenho hoje pudor
perante imagens que partem:
fragmentos rápidos, passagens, segredos que se apagam
nesses dias distantes nem suspeitava
a vida pode ser interminável
o que deixaste abandonado regressa aprende-se depois
quando, por exemplo, a esquecida infância se parece com
certos cães deixados de propósito a muitos quilómetros que
ladram não se percebe como à porta da velha casa
Poema de José Tolentino Mendonça, ilustração de Jorge Ulisses, ambos retirados do livro “Aproximações a Eugénio de Andrade”, editado pela ASA com o patrocínio a BIAL, coordenação de José da Cruz Santos e Direção gráfica de Armando Alves.
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