Jorge de Sena – “A Eugénio de Andrade, por ‘Véspera da água'”
03.12.2015
Esta água vesperal que sobe em ti
e escorre em regos por areias campos
de verde negro crespas cabeleiras
levando flores vai e estrias brancas
do que tão chamas cal no ardor de tê-las.
Rumor de secos ramos e de olhares,
visões que os dedos têm tocando os troncos
e os caules duros por momentos longos,
correndo vai essa água transportando-os
a um mar que ondas recurva silenciosas.
Descendo pelo tempo que o desejo
anseia seja uma demora tensa
ante um passado a dissolver-se agudo –
essa água véspera de ser-se é tarde
pousando na paisagem das palavras.
Silêncio de só gestos que elas dizem
menos que dizem lembram ou contentam
na solidão sem rosto da nudez –
esta água corre escorre pedra em pedras
e sobe em ti como ervas sobre a terra
em que ninguém nos fita ou já nos vê.
Poema de Jorge de Sena, ilustração de Júlio Resende, ambos retirados do livro “Aproximações a Eugénio de Andrade”, editado pela ASA com o patrocínio a BIAL, coordenação de José da Cruz Santos e Direção gráfica de Armando Alves.
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