António Ramos Rosa – “Eugénio de Andrade”
16.11.2015
A delicadeza tinha ainda outras teclas
que nós não conhecíamos
E era a paixão também de subtil intensidade
a sensualidade pura
entre veios de melancolia e o fulgor da cal
E os versos levantavam-se como hastes de um azul-claro
ou fulvos e vermelhos como pequenos frutos
envolvidos ainda pela areia das dunas
Neles o mar ressoava mas como um astro de veludo
e o claro clamor do silêncio do meio-dia
Cada verso vibrava numa perfeita melodia
que era sempre de um corpo branco e nu
e tão vegetal na sua indolência oferecida
que se sentia a sede dos seus poros
e o seu sopro de apaixonada melancolia adolescente.
Era Junho ou Setembro mas sempre um mar de pálpebras
perpassando na luz de um mundo recém-aberto
e nas sílabas de um verde-claro
Enquanto caminhava ao longo de um muro antigo
numa vereda silvestre ouvia-se o rumor de uma
pequena nascente, e os versos crepitavam como vimes
acesos e abriam as minúsculas corolas da sua ténue
transparência ou deslizavam como cisnes entre o júbilo e
a melancolia como se o mundo fosse o delicado esvoaçar
de um adolescente aéreo com um torso de trigo e o seu
hálito de cravo e o odor do seu púbis azul
Poema retirado do livro “Aproximações a Eugénio de Andrade”, editado pela ASA, com o patrocínio a BIAL. Coordenação de José da Cruz Santos e Direção gráfica de Armando Alves. O autor do poema de hoje é António Ramos Rosa e a ilustração de Augusto Gomes.
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