Teixeira de Pascoaes – “Canção de uma sombra”

09.04.2015

cancao13

Ah, se não fosse a névoa da manhã
E a velhinha janela, onde me vou
Debruçar para ouvir a voz das cousas,
Eu não era o que sou.

Se não fosse esta fonte que chorava,
E, como nós, cantava e que secou…
E este sol, que eu comungo, de joelhos,
Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse este luar, que chama
Os espectros à Vida, e se infiltrou,
Como fluido mágico, em meu ser,
Eu não era o que sou.

E se a estrela da tarde não brilhasse;
se não fosse o vento, que embalou
Meu coração e as nuvens, nos seus braços,
Eu não era o que sou.

Ah, se não fosse a noite misteriosa
Que meus olhos de sombras povoou,
E de vozes sombrias meus ouvidos,
Eu não era o que sou.

Sem esta terra funda e fundo rio,
Que ergue as asas e sobe, em claro voo;
Sem estes ermos montes e arvoredos,
Eu não era o que sou.

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