Nota biográfica >>

Ruy de Moura Belo (São João da Ribeira, Rio Maior, 27 de Fevereiro de 1933 - Queluz, 8 de agosto de 1978) foi um poeta e ensaísta português.

Ruy Belo – “A mão no arado”

27.03.2015

arado13

Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza
e aprende a reparti-la pelos dias Podem passar os
meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua

É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que
montes conviver através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã

Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora

É muito triste andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente

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