Regina Guimarães – “Banha de cobra”
15.03.2015
Havia um fiscal no paraíso.
Não se sabe o que determinou que fosse um anjo.
Apenas quem.
Havia um fiscal no paraíso.
Não se sabe quem nomeou a serpente rasteira
e lhe deu o uso do fruto que foi pomo da discórdia.
Havia um fiscal no paraíso.
Não se sabe por que raio uma árvore do pomar
se tornou agente secreto e duplo.
Havia um fiscal no paraíso.
Não se sabe quanto valia o seu capital de sedução
somente que era isco da sua própria armadilha.
Havia um fiscal no paraíso.
Não se sabe a quem pertencia a sua imagem
e de costela em caroço nem ele em si se revia.
O paraíso fora
desde a primeira hora
povoado de fiscais.
Se dos demais não reza a história
é de crer que foram despedidos
sem justa causa.
Porém o anjo obstinado
não larga a porta
que dá para esse vazio
legal
digamos.
(
Regina Guimarães, ‘Banha de cobra’ in “Voo rasante”,
Mariposa Azuai, Lisboa 2015. Publicado no “Expresso” de 14-03-2015)
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