Eugénio de Andrade – “O Comum da Terra” (Vasco Gonçalves)
29.01.2015
Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas
da cal a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esse eras tu: inclinação da água. Na margem,
vento areias mastros lábios, tudo ardia.
[Querido Eugénio, que coragem a sua, tão esteta
e cultor do verso enxuto, em «ostinato rigore», escrever esta ode
a Vasco Gonçalves, representando o então quase comum
entusiasmo poético pela Revolução de Abril!
Contido, o poema comunica a intensidade dos discursos,
a aliança dos militares com o povo, a incandescência revolucionária
do Alentejo. Extraordinária concisão estética, a do poema, para o
fervor verbal transbordante das vivências comunitárias de então.
Maria Alzira Seixo in “Os poemas da minha vida” Ed. Jornal Público]
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