Jorge de Sousa Braga – “Mãe”
05.01.2015
Mãe
Não consigo adormecer
Já experimentei tudo. Até contar carneirinhos
Não consigo adormecer
Nem chorar
(Que maior tragédia poderá acontecer a um homem do
que a de já não ser
capaz de chorar?)
Mãe
Sabias que o cordão umbilical pode funcionar
como uma corda num enforcamento?
— tenho aprendido coisas bem singulares neste
convívio com os deuses —
Um dia destes regressarei a Tebas para ser coroado
Reservei hoje mesmo um lugar num avião das Linhas
Aéreas Gregas
Gostaria de brindar contigo com uma taça de orvalho
antes de partir
Mãe
Detesto coberturas de açúcar mesmo que levem limão
Isto é tão certo como o é tu não me compreenderes
Estava a sonhar que estava a sonhar e assim por aí adiante até ao infinito.
Depois
acordei. E fui descendo vertiginosamente de sonho
para sonho
Ainda não parei de acordar. E de sonhar
Mãe
Tenho uma surpresa para ti
um caramanchão para que te possas sentar todas as
tardes a catar estrelas
na minha cabeça
Mãe
Abriu um concurso para preencher uma vaga de
ascensorista no Paraíso e eu concorri
Achas que tenho alguma hipótese de ser admitido?
— tenho a boca cheia de formigas —
Mãe
um dia hei-de subir contigo
degrau
a degrau
o arco-íris
(in “Antologia Poétca”)
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