Nota biográfica >>

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões.

Fernando Pessoa – “Cartas a Ofélia” e “Cartas de amor”

03.09.2013

Meu Bebé pequeno e rabino:

Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela é muito má, excepto numa coisa, que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas não estou pensando em ti. Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da caça
aos pombos; e isto é uma coisa, como tu sabes, com que tu não tens nada…
Foi agradável hoje o nosso passeio — não foi? Tu estavas bem disposta, e eu estava bem disposto, e o dia estava bem disposto também (O meu amigo, não. A. A. Crosse: está de saúde — uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado).
Não te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira é a de este papel (o único acessível agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda é a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplêndido, de que abri uma garrafa, de que já bebi metade. A terceira razão é haver só duas razões, e portanto não haver terceira razão nenhuma. (Álvaro de Campos, engenheiro).
Quando nos poderemos nós encontrar a sós em qualquer parte, meu amor? Sinto a boca estranha, sabes, por não ter beijinhos há tanto tempo… Meu Bebé para sentar ao colo! Meu Bebé para dar dentadas! Meu Bebé para…
(e depois o Bebé é mau e bate-me…) «Corpinho de tentação» te chamei eu; e assim continuarás sendo, mas longe de mim.
Bebé, vem cá; vem para o pé do Nininho; vem para os braços do Nininho; põe a tua boquinha contra a boca do Nininho… Vem… Estou tão só, tão só de beijinhos…
Quem me dera ter a certeza de tu teres saudades de mim a valer. Ao menos isso era uma consolação… Mas tu, se calhar, pensas menos em mim que no rapaz do gargarejo, e no D. A. F. e no guarda-livros da C. D. & C.! Má, má, má, má, má…!!!!!
Açoites é que tu precisas.
Adeus; vou-me deitar dentro de um balde de cabeça para baixo para descansar o espírito. Assim fazem todos os grandes homens — pelo menos quando têm — 1º espírito, 2º cabeça, 3º balde onde meter a cabeça.
Um beijo só durando todo o tempo que ainda o mundo tem que durar, do teu, sempre e muito teu
 
Fernando (Nininho).
 
MÚSICA

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.



Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.



As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.



Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.



A verdade
é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.



(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas.)

(Álvaro de Campos)

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