Ana Luísa Amaral – “Penélope fala a Ulisses”
04.07.2012
Penélope fala a Ulisses, ou outras falas
Cala-te, tu,
de voz de azul harpia
e deixa-me que eu ouça outra vez o Egeu,
as ondas sufocadas,
as sereias cantando,
e um riso que foi meu junto de tanto mar
Deixa que ouça outra vez a sua voz
e silencia o tom de azul harpia,
agora,
que o meu amigo fala,
e a memória que dele se desprende
só me pode rimar com o que tenho agora
e é demais conhecido ao longo desta língua,
a minha língua que não é de Egeu,
mas de outro mar mais largo
2.
Deixa-me que registe por dentro da memória
a sua voz,
que com ela me cheguem
mil Cretas e soluços de sereias,
Minotauros brincando pela praia,
livres como meninos em castelos de areia e labirintos
Deixa-me a sua voz,
tu, a de azul harpia,
revisitados montes sem idade
nem tempo para amar
3-
Por isso, ao meu amigo, lhe fala a minha língua
de saudade
— rimando no meu mar com o seu mar,
que é outro e tão diferente
e em tempo tão diferente
do azul, que até à exaustão
cantei
Por isso, ao meu amigo, lhe fala
a minha língua de saudade:
de janelas de sol emolduradas em solidões
diferentes,
mas sempre e ao mesmo tempo
e neste bastidor:
a solidão igual –
Podcast (estudio-raposa-audiocast): Download