Cristina Guedes – “Aqui jaz: saudade”
30.04.2012
Antigamente era fácil
falar de rotinas ou de cansaços,
de olheiras e de corpos partidos,
porque nada disso me deixava mal.
Na segurança do amor ou no escaldar
da paixão não cabem queixas ou indagações.
É um quebrar de corpos sem dor,
um esgotar de horas nocturnas
onde a rotina do teu suor na minha pele
causava dependência do prazer,
mamilos espetados furando a palma das tuas mãos,
ancas viciadas no samba dos teus quadris,
num ir e vir, beijos que caíam,
desabavam por pescoços e bocas por coxas e olhos.
Equiparava as tuas palavras sussurradas e
sedutoras aos murmurios de fundo das conchas do mar,
á brisa redentora do final da tarde na colina,
antigamente eras o mel que me adoçava os dias.
É por isto que escrevo, com receio
de que as minhas memórias se percam
no fundo do mar que já não somos,
numa demência de rituais e febres,
num transladar de novas direcções e objectivos.
Sou eu a praguejar, ainda viva, ainda presente
nos meus deslumbramentos acerca de ti.
Ainda presa a momentos de luxo
nesse tal planeta de afectos onde o teu nome
em neon ilumina corredores e salões,
esquinas e ruas convexas.
Se te doer o presente, grava-me editada em mp3,
pra que possas continuar a viver do passado que já fomos, tu e eu.
Mas nesse dia jorra-me pétalas em cima
e beija o rosto já manchado de humidade,
logo abaixo onde diz : Aqui jaz Saudade.
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