Encandescente – Uma Cantiga de Seguir: “Em redor da vulva”
13.02.2012
“Encandescente” é o pseudónimo de uma poeta de Setúbal cujo trabalho foi muito popular quando os blogues estavam no seu auge. Publicou três livros: Palavras Mutantes, Erotismo na Cidade e Encandescente. Subitamente, desapareceu, não voltando a publicar.
Vamos ouvir um trabalho de Encandescente classificado como “Cantigas de Seguir”, uma variante das “Cantigas de Escárnio e Mal-Dizer”.
Estava Encandescente pousada no seu descanso quando, ao acordar, a palavra vulva lhe apareceu e não a deixou mais. Daí que tenha nascido esta explicação em poema: Poema em redor da vulva
Acordo sempre com uma ou várias palavras na cabeça.
Geralmente sei como querem ser escritas
Apesar de já ter desistido de descobrir o porquê.
Um dia acordei com a palavra vulva a picar-me,
Desde esse dia não me larga
Acompanha-me para todo o lado,
E mesmo escrevendo outras palavras
Outros acordares,
A vulva está sempre presente
Desviando pensamentos e exigindo atenção.
Convenhamos que não é uma palavra poética
A vulva que me persegue,
E tem-me sido desagradável quer a companhia
Quer nela andar sempre a pensar.
Espero entender depressa porque me acordou
Como quer ser escrita
Para que quer ser escrita.
Para dar uso
Quer à vulva, quer à palavra.
A autora acabou por entender os desejos da palavra. Escreveu cinco “Cantigas de Seguir” usando Camões, Bocage, Florbela, Pessoa e Ary dos Santos.
Ouçamos a primeira: diria Camões à sua amada.
Como perdoar-me, minha amada, do rubor que o vosso rosto assolou?
Do tremor tão intenso que de vosso corpo se apossou,
Que vacilaste nos passos, e na relva fria caístes?
Como perdoar-me, minha amada, ter proferido a palavra, a indecência,
Que feriu mortalmente vossos ouvidos, e chocou vossa inocência?
Se indulgente, não fores, nem mais um verso escreverei.
Minha pena, minha amada, ante vós, eu quebrarei!
E nem mais um pato depenarei,
Se pena não tiverdes de minha alma penada.
A vossos pés, prostrado, a alma sangrando, vos rogo…
Ai minha amada!! Não me batais mais no cangote!!
Que eu perca já o outro olho se por baixo de vosso saiote,
Vossa vulva, eu espreitava ou intentava ver .
Diria Bocage entre folhos:
Eu, Bocage não seria, se ao vislumbrar uma vulva,
Não lhe descrevesse a forma, os eflúvios, o calor .
E não me caísse da mão a pena, e não me caísse a mão na vulva.
E não intentasse tomá-la, ser dono e senhor.
E à entrada do paraíso, eu Bocage, me postaria,
De porrete desembainhado, ajustando a pontaria,
E triunfante entraria na rubra vulva com meu porraz!
E assim, eu Bocage, aos outros mostraria, sem manos!
Do que um sadino é capaz!
Florbela suspiraria no canapé:
Ah… Meu amor…Vem com o vento…
Vem ligeiro e traz contigo o remédio, o unguento,
Para sarares este meu sofrimento….
Que o canapé já não aguento,
Se nele comigo, tu não te deitares…
Ah…. Meu amor… Souberas tu…
De como sem ti, a vulva não é vulva, mas brasa,
Que depressa chegarias,
Que voarias como o pensamento…
E nunca mais ninguém diria,
E nunca mais ninguém julgaria,
No trabalho… Um alentejano… Lento…
Pessoa questionar-se-ia:
Vi uma vulva.
Acho que era uma vulva….
Se não era uma vulva…Era uma vaca!
São muito traiçoeiros os nevoeiros na Dinamarca,
E as vacas parecem vulvas, e as vulvas parecem vacas.
Mas acho que era uma vulva a que vi no nevoeiro.
Mas se já vi mais vacas que vulvas,
Não estarei sonhando na vaca
A vulva que desejo….
E não tenho?
E, finalmente, um Ary arrebatado:
É na vulva que um homem mostra a força
E a rebeldia!
É na vulva que penetra a semente
E a anarquia!
É na vulva que o homem deixa
Orgasmo
E tesão!
É na vulva que começa a criação
Do operário!
É na vulva que começa a luta
Do proletário!
Vulva é revolução!
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