Nota biográfica >>

Ferreira Gullar, pseudónimo de José Ribamar Ferreira (São Luís, 10 de setembro de 1930) é um poeta, crítico de arte,biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo.

Ferreira Gullar – “Traduzir-se”

17.01.2012

Que a força do medo que tenho, não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio…

Que a música que eu ouço ao longe, seja linda, ainda que triste.
Que a mulher que eu amo seja para sempre amada, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que penso, mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é plateia e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade…também.

Facebooktwittermailby feather
27962796