Graça Pires – “De Novembro”
15.01.2012
Vem de Novembro
esta seiva impetuosa,
onde as raízes da utopia
se perpetuam no sangue,
como um percurso alienado.
Um outono de sede
no interior descuidado das mimosas,
a semente e o parto
das amoras doces,
um carnaval cinzelado
no limite de um balão de vidro.
É noite de morrer
para adiar a vida,
noite polar
à medida da náusea
do que se aceita e recusa,
antinomia do vazio das mãos.
Vem de Novembro
a forma antecipada do prazer
e, por isso, todos os lugares são verdes.
De mãos erguidas
junto das nascentes,
convoco o inacessível
e construo os cenários
da infância que não tive.
Agora vou ser livre
de percorrer o vento
em linha recta,
de receber os afagos
às mãos cheias,
de pintar em todas as paredes
as bonecas de trapos que não fiz.
Agora posso marcar
um percurso feliz
no caminho que leva
à outra margem,
ou fabricar um enredo
onde a minha imagem,
petrificada e bela,
seja sempre o reflexo
do crepúsculo que se extingue.
depois, a vida há-de mover-se
como um vendaval inesperado,
mas nada toldará a limpidez
das lágrimas e da noite,
no ritual quotidiano de estar só.
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