Poesia indiana – “25 a 50”
13.01.2012
Poesia erótica escrita há 1.000 anos atribuída a Bilhana, poeta que terá vivido no sec XI, em Caxemira.
Estes poemas têm atrás de si uma lenda. Diz-se que Bilhana os declamou enquanto subia para o cadafalso onde ia pagar com a vida a ousadia de se ter apaixonado pela filha do Rei
25·
Mesmo agora recordo o seu corpo
Ardendo de desejo a sua pele
Colada à minha como roupa molhada
Como poderia esquecê-la digna
Agora de compaixão privada do seu amante
26
Mesmo agora sonho com ela
A mais bela entre as mais belas
Filha de rei criada para ser o receptáculo do amor
Incapaz de suportar a separação
27
Mesmo agora sabendo que a cada
Instante a morte se aproxima
O meu espírito abandona o culto dos deuses
E persegue a minha amada
28
Mesmo agora assalta-me a recordação
Desses olhos de corça assustada
Dessa voz trémula das lágrimas que lhe invadiam
A face da cabeça vergada sob o peso da amargura
Quando escutou a minha sentença
29
Mesmo agora por mais que me esforce
Não me recordo de alguma vez ter contemplado
Um rosto como o seu
A sua beleza
Eclipsa a da deusa do amor e a da lua
30
Mesmo agora recordo o seu púbis
Os lábios dessa vulva que me protegiam
Da insolação do desejo Veneno
Na separação momentânea no reencontro
Uma taça cheia de néctar
31
Mesmo agora atormenta-me o espírito
Recordar como os soldados do rei
Semelhantes aos mensageiros da morte
Com braços terríveis me arrancaram do seu leito
E o que ela não fez para me defender
32
Mesmo agora o meu coração sofre noite
E dia por nunca mais poder voltar
A ver nem que seja por um instante
Esse rosto belo como a lua cheia
Cuja frescura faz empalidecer os jasmins
33
Mesmo agora o meu espírito vagueia
À procura da minha amada
Nunca ninguém colheu melhor
Os frutos dos seus verdes anos
Que
Ela me possua em cada nova reincarnação
34·
Mesmo agora ressoa com força no meu
Espírito o tilintar das suas pulseiras
Nuvens de abelhas cobriam-lhe o rosto
Atraídas pelo lótus em flor da sua boca
Recordo o modo como com os dedos
Tentava afastá-las dos cabelos
35·
Mesmo agora recordo a embriaguez
Causada pelo mel que a minha língua
Sorvia da sua boca e as marcas das
Minhas unhas nos seus seios eriçados de prazer
Que ela guardava como um tesouro
36·
Mesmo agora recordo o seu ar agastado
Perante a eminência da minha partida
A impaciência com que em silêncio
Me oferecia os lábios
Abraçava-a
E caía a seus pés como um escravo
37
Mesmo agora o meu espírito regressa
Ao seu leito Rio e danço entre as suas
Companheiras estreitando os seus corpos
Graciosos perdendo-me por fim
Entre as coxas da minha amada
38.
Mesmo agora ignoro se ela é parecida com Xiva
Ou alguma criatura criada pela maldição de lndra
Ou a esposa de Krisna ou se Brahma
Lhe deu vida para enfeitiçar o mundo
Ou para ver entre as jovens um clarão
39·
Mesmo agora ignoro se alguém neste mundo
Poderia descrever esse corpo
Que só a mim se desvendou
Quem
Quisesse descrever essas formas voluptuosas
Só se conhecesse alguém que a igualasse
40·
Mesmo agora vejo os seus olhos
Escurecidos pelo antimónio
Os lábios ardentes os brincos
Agitando-se nas orelhas o corpo
Curvado devido ao peso dos seios
Sem que eu a possa possuir
41
Mesmo agora se pudesse
Beijaria sem cessar esse rosto transparente
Como a lua de Ourono capaz de roubar
O coração dum eremita
Como não
De ter roubado o meu
42.
Mesmo agora sacrificaria tudo
Se me fosses permitido regressar
A esse santuário de prazer
Perfumado com essência de flores de lótus
Húmido ainda de esperma perante
O qual se prostrou o deus do amor
43·
Mesmo agora neste mundo
Onde os sinais de beleza se defrontam
Encarniçadamente o meu coração
Acredita que ninguém conseguirá
Eclipsar a beleza da minha amada
44·
Mesmo agora sobre as ondas frementes
Do rio do meu espírito a minha amada desliza
Como um cisne real imputando
Às carícias fugidias dos grãos de pólen
A sua ligeira fadiga
45·
Mesmo agora sonho com essa princesa
Filha do mais nobre dos reis
Com os seus olhos ardentes de desejo
Criança que um dia desceu dos céus
Filha dos músicos celestes dos génios dos cantores
Divinos dos deuses e da serpente-virgem
46.
Mesmo agora não consigo esquecê-la
Ao acordar curvando-se perante o altar
Os seios como cântaros cheios de néctar
O corpo com adornos coloridos
47·
Mesmo agora recordo a beleza doirada
Do seu corpo sugerindo fadiga
Para não parecer impudica
Perturbada pelos meus beijos apaixonados
E pelo contacto das nossas coxas
Ela deixava – como uma planta por onde
Sobe a seiva – que o desejo a possuísse
48.
Mesmo agora recordo como era implacável
Na batalha sem armas do amor
Como nós apesar de enlaçados
Nos conseguíamos levantar e deitar
Sem o apoio das mãos
Recordo
O sangue das mordeduras nos seus lábios
E dos arranhões nas suas coxas
49·
Mesmo agora não consigo imaginar
Como poderia suportar a dor da separação
Só a morte – que ela chegue depressa _
Poderá dissipar essa dor
50·
Mesmo agora Xiva não rejeita o negro veneno
A tartaruga transporta no dorso a terra
O mar alberga terríveis fogos
A mim só me resta cumprir o prometido
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