Novas Cartas Portuguesas – “A Paz”
10.01.2012
Compraz-se Mariana com seu corpo.
O hábito despido, na cadeira, resvala para o chão onde as meias à pressa tiradas, parecem mais grossas e mais brancas.
As pernas, brandas e macias, de início estiradas sobre a cama, soerguem-se levemente, entreabertas, hesitantes; mas já os joelhos se levantam e os calcanhares se vincam nos lençóis; já os rins se arqueiam no gemido que aos poucos se tornará contínuo, entrecortado, retomado logo pelo silêncio da cela, bebido pela boca que o espera.
Que interessa então a Mariana as mãos que o encaminham? Se as suas que lhe descem lentas pelas ancas, se as dele que a largaram de improviso …
Quebra-se, pois, a clausura: pelos seios ele a tem segura a rasgar-lhe os mamilos com os dentes.
Quebra-se pois a clausura?
Recurva, tenso, o ventre: a língua entumescida. Dele a língua quente, áspera de saliva e o demorado sugar, rente, ritmado, a esvaziá-la devagar da vida.
Compraz-se Mariana com seu corpo, ensinada de si, esquecida dos motivos e lamentos que a levam às cartas e a inventam. – «Descobri que lhe queria menos do que à minha paixão (. .. ) – ei-Ia que se afunda em seu exercício. Exercício do corpo-paixão, exercício da paixão na sua causa.
Os olhos tem fixos, escancarados, no rosto dele presos, a inventá-lo em seus traços que de memória retém ou não sabe se os inventa, enquanto sobre o peito lhe descai, no movimento ritmado das coxas, a possuí-lo como macho – sente – e lhe vê os lábios crispados, se enterra mais nele, se empala num enorme prazer, no uivo de quem foge ou se dá. Dádiva em toda aquela obcecante conquista da dureza violenta do pénis: os dedos bem fundo perdidos na humidade viscosa da vagina, os ombros erguidos, a cabeça apoiada no travesseiro, os braços tensos como que para lhe reter os quadris estreitos que se movem na consenti da busca da voragem do útero.
«Sei como és daninha, mulher retomada do rio que esforças por calar nas veias, maligna. Na seda das nádegas, no odor abrasado das axilas. Terra, que a haustos respiro e formo com teu esperma, meu semen; tua amante-esposa não deixaste perdida nem lograda; eis como me entrego e me ofereço, me conduzo e te ensino até o jeito mais breve ou demorado para melhor gozo.
De pé agora te retomo, te cruzo, te possuo; minhas secreções já espessas, à mistura com as tuas, inundam-me as entranhas tão estéreis, herméticas, adormecidas.
Mariana deixa que os dedos retornem da vagina e procurem mais alto o fim do espasmo que lhe trepa de manso pelo corpo. A boca que a suga, a galga, é como um poço no qual se afoga consentida, ela mesmo a empurrar-se, enlouquecida, veloz.
Devagar meu amor, devagar o nosso orgasmo que contornas ou eu contorno com a língua. Devagar te perco de súbito, te esqueço, não sendo tudo mais que uma enorme vaga de vertigem.
E a noite devora, vigilante, o quarto onde Mariana está estendida. O suor acamado, colado à pele lisa, os dedos esquecidos no clítoris, entorpecido, dormente.
A paz voltou-lhe ao corpo distendido, todavia, como sempre, pronto a reacender-se, caso queira, com o corpo, Mariana se comprazer ainda.
Do livro “Novas Cartas Portuguesas” de autoria de Maria Isabel Barrento, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa
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