Nota biográfica >>

António Pereira Nobre (Porto, 16 de Agosto de 1867 — Foz do Douro, 18 de Março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português.

António Nobre – “O sono do João”

10.01.2012

joao13

O João dorme … (Ó Maria,
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar … )
Tem só um palmo de altura
E nem meio de largura:
Para o amigo orangotango
O João seria … um morango!
Podia engoli-lo um leão
Quando nasce! As pombas são
Um poucochinho maiores …
Mas os outros são menores!

O João dorme … Que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó Mar! fala mais baixinho …
E tu, Mãe! e tu, Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar …

O João dorme, o Inocente!
Dorme, dorme eternamente
Teu calmo sono profundo!
Não acordes para o Mundo,
Pode levar-te a maré:
Tu mal sabes o que isto é …

Ó Mãe, canta-lhe a canção,
Os versos do teu Irmão:
«Na vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir …
Tudo vai sem se sentir».

Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho … até morrer!

E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado (estou-o vendo
João! que rapaz tão lindo!)
Mas sempre, sempre dormindo …

Depois, um dia virá
Que (dormindo) passará
Do berço, onde agora dorme,
Para outro, grande, enorme:
E as pombas que eram maiores
Que João … ficarão menores!

Mas para isso, ó Maria!
Diz àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar…
E os anos irão passando.

Depois, já velhinho, quando
(Serás velhinha também)
Perder a cor que, hoje, tem,
Perder as cores vermelhas
E for cheiinho de engelhas,
Morrerá sem o sentir,
Isto é, deixa de dormir:
Acorda e regressa ao seio
De Deus, que é donde ele veio …
Mas para isso, ó Maria!
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João acordar …

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