David Mourão-Ferreira – “Grito”
10.04.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
David de Jesus Mourão-Ferreira (24 de Fevereiro de 1927 — 16 de Junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde, em 1957, foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
10.04.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
Cedros, abetos,
pinheiros novos.
O que há no tecto
do céu deserto,
além do grito?
Tudo que é nosso.
São os teus olhos
desmesurados,
lagos enormes,
mas concentrados
nos meus sentidos.
Tudo que é nosso
é excessivo.
E a minha boca,
de tão rasgada,
corre-te o corpo
de pólo a pólo,
desfaz-te o colo
de espádua a ‘spádua.
São os teus olhos.
Depois, o grito.
Cedros, abetos,
pinheiros novos.
É o regresso.
É no silêncio
do outro extremo
desta cidade
a tua casa.
É no teu quarto
de novo o grito.
E mais nocturna
do que nunca
a envergadura
das nossas asas.
Punhal de vento,
rosa de espuma:
morre o desejo,
nasce a ternura.
Mas que silêncio
na tua casa!
(Do livro “Música de Cama”, na Editorial Presença)
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26.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Sonho-te
que sonhando-me
sonhas-me,
em teus braços,
mil beijos sussurrados
Sonho-te
e sonhando-me
amo-te
no rasgar da pele
buscando
carícias longas
entregando-me
Sonho-te
no abraço incontido
corpo entregue
vencido
em noites de vendaval
E esse perfume errante
– seiva quente –
dá vida, dá alento
mesmo não passando
de ilusão,
que se desfaz em nada,
tal qual nuvem
em tarde de Verão.
Sonho-te
que sonhando-me
sonhas-me …
amando-te …
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24.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo –
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
– desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.
Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha –
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.
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18.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Entro paciente e afundo-me no reino
da mãe. O barro mais antigo
brilha no teu sexo que se abre escuro
ao meu desejo — à ternura, ao furor que busca
o caos. Só em ti, que não temes a noite nem a saudade,
me encontro. Abres a húmida concha
e salto para dentro do lume
da primeira casa. Deixo à entrada
a angústia de quem vai morrer.
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16.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços …
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca … o eco dos teus passos
O teu riso de fonte … os teus abraços
Os teus beijos … a tua mão na minha .
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca …
Quando os olhos se me cerram de desejo
E os meus braços se estendem para ti.
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12.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Quem foi que à tua pele conferiu esse papel
de mais que tua pele ser a pele da minha pele?
Cintilação de luas
assim que te desnudas
às escuras
Diante do teu ventre
como não dizer “sempre”
novamente.
Ó lâmina e bainha
de outra espada ainda
Tua língua
Ruge. Reprende. Arrasa
Desde que sempre o faças
com as asas
Vem dos arcanos de outro tempo
ou dos anéis de outra galáxia
esta espessura transparente
que só na cama as almas ganham
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10.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Não. Beijemo-nos, apenas,
Nesta agonia da tarde.
Guarda
Para um momento melhor
Teu viril corpo trigueiro.
O meu desejo não arde;
E a convivência contigo
Modificou-me – sou outro…
A névoa da noite cai.
Já mal distingo a cor fulva
Dosa teus cabelos – És lindo!
A morte,
devia ser
Uma vaga fantasia!
Dá-me o teu braço: – não ponhas
Esse desmaio na voz.
Sim, beijemo-nos apenas,
Que mais precisamos nós?
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06.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Deixo-me embalar pela música.
Fecho os olhos e sinto
o teu rosto mergulhar nas ondas do meu
cabelo.
As tuas mãos como plumas
percorrendo meu corpo.
Encostas-me à janela
e pressionas o teu corpo no meu.
Sinto uma volúpia quente
subir e fundir-se em mim.
Uma a uma, as peças vão desaparecendo
e eu estou ali,
nua, faminta, com as ondas
do meu corpo a chamarem-te …
E tu vens, qual trovão em dias de
tempestade.
Para lá da janela, nada mais existe.
Somos nós, um só corpo
possuídos pelo mesmo desejo:
Amar …
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04.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Nu, na minha cama de hotel,
deixo-me invadir pela memória do mel.
E choro. Choro porque não posso beber
as tuas lágrimas. Choro
porque não podes lamber
o meu sal.
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02.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?
Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?
Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas ai!,
A carne do assasssino
É como a do virtuoso.
Numa atitude elegante,
Misteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.
Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia…
Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar –
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!
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28.04.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Poderei desnudar um pouco mais
o teu corpo nu? Poderei descalçar o teu pé
que pousa descalço?
Dizer-te outras mil vezes esta canção furtiva
que nunca mais acaba? Poderei dançar cantar
no chão onde me decantei noites inteiras? Amar-te
se não sei amar apenas derramar
as últimas sementes desta pedra
que tanto voou? Poderei escrever de novo
na tua pele, e apagar com lágrimas
o texto que vem de longe? Beber
na boca da tua boca
a dor que me trazes, a alegria
que não cessa de doer? Inscrever
o teu sangue nas nuvens que passam
dentro de mim? Ler reler
o arco-íris nos teus olhos,
o líquido sabor de argila
entre as tuas pernas? Poderei
oscilar entre a luz e a sombra
se mais não sou do que uma haste cega
dentro de ti? Poderei curvar-me
ainda mais
se abraço o chão e bebo na fonte? Escavar
o já escavado? Recolher a cinza
do coração enamorado? Elevar-me
se já toquei no céu?
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26.04.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos
Colhes à passagem
a luz do instante
De dentes cerrados
ondulas, avanças,
retesas os braços,
comprimes as ancas.
Depois para a frente
inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto,
e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga
Lua e sol tu és
enquanto cavalgas
amazona e égua
de espora cravada
no centro do corpo
Centauresa alada
com os seios soltos
como feitos de água.
Queria bebê-los
quando mais te dobras
Os cabelos esses
sorvê-los agora
Mas de cada vez
que o rosto aproximas
já é outra a sede
que me queima a língua:
A de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu.
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20.04.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Devagar…
outro beijo… ou ainda…
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!
Mais beijos!…
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!
Sim, amor..
deixa que se alongue mais
este momento breve!…
— que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!
Maio – 1925
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13.04.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas
Na minha alcova
Ardiam velas
Em candelabros de bronze
Pelo chão em desalinho
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho
Ele, olhava-me cismando;
E eu,
Placidamente, fumava,
Vendo a lua branca e nua
Que pelos céus caminhava.
Aproximou-se; e em delírio
Procurou avidamente
E avidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.
Arrastou-me para ele,
E encostado ao meu hombro
Falou-me de um pagem loiro
Que morrera de saudade
À beira-mar, a cantar…
Olhei o céu!
Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombria.
Deram-se as bocas num beijo,
Um beijo nervoso e lento…
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento
Vinha longe a madrugada.
Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecera cansado
E que eu beijara, loucamente,
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente
Bebia vinho…, até cair.
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08.04.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Não me apetece dizer o que penso,
o que sinto, o que sou.
Não me apetece dizer-te
para onde vou, onde estou
o que senti.
Não me apetece manifestar meus afectos,
meus carinhos, pedir um beijo,
roçar teu corpo em mil desejos …
Não me apetece dizer
quantos orgasmos tive,
quando me possuías loucamente.
Não me apetece dizer o que sinto
quando o frenesim da tua boca
roça as minhas coxas
e me deixas louca de tesão.
Não me apetece!
E apetece-me tudo …
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04.04.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Modo de amar – I
Lambe-me os seios
desmancha-me a loucura
usa-me as coxas
devasta-me o umbigo
abre-me as pernas põe-nas
nos teus ombros
e lentamente faz o que te digo:
Modo de amar – II
Por-me-ás de borco,
assim inclinada …
a nuca a descoberto,
o corpo em movimento …
a testa a tocar
a almofada,
que os cabelos afloram,
tempo a tempo …
Por-me-ás de borco; Digo:
ajoelhada …
as pernas longas
firmadas no lençol ..
e não há nada, meu amor,
já nada, que não façamos
como quem consome …
(Por-me-ás de borco,
assim inclinada …
os meus seios pendentes
nas tuas mãos fechadas.)
Modo de amar III
É bom nadar assim
em cima do teu corpo
enquanto tu mergulhas
já dentro do meu
Ambos piscinas que a nado
atravessamos
de costas tu meu amor de bruços eu
Modo de amar – IV
Encostada de costas
ao teu peito
em leque as pernas
abertas
o ventre inclinado
ambos de pé
formando lentos gestos
as sombras brandas
tombadas
no soalho
Modo de amar – V
Docemente amor
ainda docemente
o tacto é pouco
e curvo sob os lábios
e se um anel no corpo é saliente
digamos que é da pedra em que se rasga
Opala enorme e morna
tão fremente
dália suposta
sob o calor da carne
lábios cedidos
de pétalas dormentes
Louca ametista
com odores de tarde
Avidamente amor
com desespero e calma
as mãos subindo
pela cintura dada
aos dedos puros numa aridez de praia
que a curvam loucos até ao chão da sala
Ferozmente amor com torpidez e raiva
as ancas descendo como cabras tão estreitas e duras
que desarmam
a tepidez das minhas que se abrem
E logo os ombros descaem
e os cabelos
desfalecem as coxas que retomam das tuas
o pecado
e o vencê-lo
em cada movimento em que se domam
Suavemente agora velozmente
os rins suspensos os pulsos
e as espáduas
o ventre erecto enquanto vai crescendo
planta viva entre as minhas nádegas
Modo de amar – VI
Inclina os ombros e deixa
que as minhas mãos avancem na branda madeira
Na densa madeixa do teu ventre
Deixa
que te entreabra as pernas docemente
Modo de amar – VII
Secreto o nó na curva do meu espasmo
E o cume mais claro dos joelhos
que desdobrados jorram dos espelhos
ou dos teus ombros os meus: flancos
na luz de maio
Modo de amar – VIII
Que macias as pernas na penumbra
e as ancas subidas
nos dedos que as desviam
Entreabro devagar a fenda – o fundo a febre
dos meus lábios
e a tua língua Vagarosa:
toma – morde lambe
essa humidade esguia
Modo de amar – IX
Enlaçam as pernas as pernas
e as ancas
o ar estagnado que se estende no quarto
As pernas que se deitam ao comprido
sob as pernas
E sobre as pernas vencem o gemido
Flor nascida no vagar do quarto
Modo de amar – X
A praia da memória
a sulcos feita
a partir da cintura:
a boca
os ombros
na tua mansa língua que caminha
a abrir-me devagar
a pouco e pouco
Globo onde a sede
se eterniza
Piscina onde o tempo se desmancha
a anca pousada
que inclinas
as pernas retesadas que levantas
E logo
são os dentes que limitam
mas logo
estão os lábios que adormentam
no quente retomar de uma saliva
que me penetra em vácuo
até ao ventre
o vínculo do vento
a vastidão do tempo
o vício dos dedos
no cabelo
E o rigor dos corpos
que já esquece
na mais lenta maneira de vencê-los
Modo de amar – XI
Nunca adormece a boca
no teu peito
a minha boca no teu baixo
ventre
a beber devagar o que
é desfeito
Modo de amar – XII
Tenho nas mãos
teus testículos
e a boca já tão perto
que deles te sinto
o vício
num gosto de vinho aberto
Modo de amar – XIII
São as pedras
meus seios
São as pernas
pele e brandura no interior dos
lábios
rosa de leite
que sobe devagar
na doce pedra
do muco dos meus lábios
São as pedras
meus seios
São as pernas
Pêssegos nus
no corpo
descascados
Saliva acesa
que a língua vai cedendo
o gozo em cima … a pedra dos meus
lábios
Jogo do corpo
a roçar o tempo
que já passado só se de memória,
a mão dolente
como quem masturba entre os joelhos …
uma longa história …
Estrada ocupada
onde se vislumbra
(joelhos desviados na almofada)
assim aberta o fim de que desfruta
fruto do odor
fundo todo
do corpo já fechado.
Modo de amar – XIV
São grinaldas de rosas
à roda
dos joelhos
O ambar dos teus dentes
nos sentidos
O templo da boca
no côncavo do espelho
onde o meu corpo espia
os teus gemidos
É o gomo depois …
e em seguida a polpa …
o penetrar do dedo …
punho do punhal
que na carne enterras
docemente
como quem adormenta
o que é fatal
É a urze debaixo
e o lodo que acalenta
o peixe
que desliza no umbigo
piscina funda
na boca mais sedenta
bordada a cuspo
na pele do umbigo
E se desdigo a febre
dos teus olhos
logo me entrego à febre
do teu ventre
que vai vencendo
as rosas — os escolhos
à roda dos joelhos,
docemente.
Modo de amar XV
Entreabre-se a boca
na saliva da rosa
no raso da fenda
na finura das pernas
Entreabre-se a rosa
na boca que descerra
no topo do corpo
a rosa entreaberta
E prolonga-se a haste
a língua na fissura
na boca da rosa
na caverna das pernas
que aí se entre-curva
se afunda
se perde
se entreabre a rosa
entre a boca
das pétalas
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30.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Ela passa,
a papoila rubra,
esvoaçando graça,
a sorrir…
Original tentação
de estranho sabor:
a sua boca – romã luzente,
a refulgir!…
As mãos pálidas, esguias,
dolorosas soluçando,
vão recortando
em ritmos de beleza
gestos de ave endoidecida…
Preces, blasfémias,
cálidas estesias
passam delirando!…
Mordendo-lhe o seio
túrgido e perfurante,
delira a flama sangrenta
dos rubis…
E a cinta verga, flexuosa,
na luxuria dominante
dos quadris…
Um jeito mais quebrado no andar…
Um pouco mais de sombra no olhar
bistrado de lilás…
E ela passa
entornando dor,
a agonizar beleza!…
Um sonho de volúpia
que logo se desfaz,
em ruivas gargalhadas
dispersas… desgrenhadas!…
Magoam-se os meus sentidos
num cálido rubor…
E nos seus braços endoidecem
as anilhas d’oiro refulgindo
num feérico clamor!…
E ela passa…
Fulva, esguia, incoerente…
Flor de vicio
esvoaçando graça
na noite tempestuosa
do meu olhar!…
Como uma brasa ardente,
e infernal e dolorosa,
… a bailar…
a bailar!…
(“Noite”- 1925)
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23.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Menina, menina, vem cá! – Disse o Lobo….E eu? Eu fui….e o Lobo? Papou-me! E depois? Foi-se embora…E eu? Eu chorei….Porque fugiu o lobo? Não sei, não sei…Se calhar não era um Lobo e dei-lhe uma congestão….entende-se? Diz-me um mágico que lobos só existem nas minhas fantasias…Então? E eu? Eu fui…Procurem-me…estarei no Mundo-Que-Imaginei….á procura do Lobo que não mais encontrei…entretanto…veio um Cabritinho que eu papei…e uma Porquinha que saboreei…que belo repasto preparei…mas á procura do Lobo é que eu andei, andei…e quando não fui, o Coração enviei…
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21.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus olhos por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas …
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas …
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15.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Amando noite e dia num hotel de Madrid
cheguei à conclusão que só o amor pode
decifrar o segredo; que só no sexo
se aproximam a música e a música de corpos
habitados por essa poesia que vem do fundo.
O amor é a entrega assassina
que não se deixa fixar: a luz que vem do abismo
e que nunca poderei colher,
eu que já estou noutro lugar. Fodendo
até cair para o lado
curámos o que estava doente, o teu corpo menino
e o meu cadáver cansado. Exilados
da Via Láctea, e dentro dela,
deste vaso louco onde se misturam
os vivos e os mortos, todos em busca
da luz. A minha luz
foi vir-me quando me julgava
cego e vazio. A tua luz
foi quando abriste o que julgavas
para sempre fechado.
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07.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Entre as duas nádegas
o pávido sulco
tem aroma de áfricas
e de uvas de outubro
Dirias que fora
um silvo de morte
a penetrar toda
a nocturna flora
até hoje intacta
que ainda aí tinhas
Respira Não fales
Murmura Não grites
Que travo de amoras
Que túnel escuro
Que paz no que sofres
por mais uns minutos
o pescoço vergas
submissa e frágil
tal o de uma égua
que vai beber água
mas encontra a lua
E junto da cama
a rosa viúva
com lágrimas brancas
já pede a meus dedos
sacudido apoio
para a viuvez
em que a deixo hoje
Muito mais a norte
os queixumes calas
E nem gemes
Gozas
enquanto te invade
o suco da vara
vertido no sulco
Vê como foi fácil
Respira mais fundo
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02.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Fecho os olhos e
ousadamente
os meus lábios
tecem o teu corpo
na volúpia da tua pele.
As minhas mãos percorrem
calmamente,
sem pressa,
em carícias incontidas
em desejos refreados
de mulher-fêmea que
se solta nos teus braços.
Um instante abrasador
de loucura.
Nossas peles colam-se
suadas,
frementes
num amor arrebatado
que já não conseguimos conter.
Chuva fina de amor em exaustão –
limites para além da nossa paixão –
eu me dou no teu corpo vivido
bebes-me
sugas-me
a alma dentro do sentimento
em lençóis vermelhos para lá da imaginação.
Sem medos nem pudor
nossos corpos conhecem o caminho …
Poema incluído no CD “Poesia Erótica” disponível Loja da Raposa.
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29.02.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Anda vem…, porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha — rosa de lume?
Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.
Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!
E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
— Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!
Anda, vem!… Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos…
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!
Poema incluído no CD “Poesia Erótica” produzido pelo Estúdio Raposa
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17.03.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
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10.03.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;
o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;
se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encaminhamento e de desprezo;
não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!
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17.02.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar
Bojudo fradalhão de larga venta,
abismo imundo de tabaco esturro,
doutor na asneira, na ciência burro,
com barba hirsuta, que no peito assenta:
No púlpito um domingo se apresenta;
prega nas grades espantoso murro;
e acalmado do povo o grão sussurro
o dique das asneiras arrebenta.
Quatro putas mofavam de seus brados
não querendo que gritasse contra as modas
um pecador dos mais desaforados.
“Não (diz uma), tu padre não me engodas;
sempre me há-de lembrar por meus pecados
a noite, em que me deste nove fodas!”
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27.01.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pénis.
Ai, cama canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme onça suçuarana,
dorme cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima… O pénis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda húmidos de sémen,
estes segredos de cama.
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27.01.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
No mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio.
Agora que nos separamos, minha morte já não me pertence.
Tu a levaste contigo.
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27.01.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
No corpo feminino, esse retiro
— a doce bunda — é ainda o que prefiro.
A ela, meu mais íntimo suspiro,
pois tanto mais a apalpo quanto a miro.
Que tanto mais a quero, se me firo
em unhas protestantes, e respiro
a brisa dos planetas, no seu giro
lento, violento… Então, se ponho e tiro
a mão em concha — a mão, sábio papiro,
iluminando o gozo, qual lampiro,
ou se, dessedentado, já me estiro,
me penso, me restauro, me confiro,
o sentimento da morte eis que o adquiro:
de rola, a bunda torna-se vampiro.
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27.01.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Era bom alisar seu traseiro marmóreo
e nele soletrar meu destino completo:
paixão, volúpia, dor, vida e morte beijando-se
em alvos esponsais numa curva infinita.
Era amargo sentir em seu frio traseiro
a cor do outro final, a esférica renúncia
a toda aspiração de amá-la de outra forma.
Só a bunda existia, o resto era miragem.
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