Edson Bueno de Camargo – “Gelo entre os dedos”
23.09.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Edson Bueno de Camargo nasceu em Santo André-São Paulo, Brasil, em 24 de julho de 1962, e mora em Mauá–SP. Publicou vários livros, entre eles “cabalísticos” (Editora Multifoco, 2010) e “De Lembranças & Fórmulas Mágicas” (Edições Tigre Azul/ FAC Mauá, 2007).
23.09.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
aqui enterrei meus mortos
nesta cidade de telhas claras
e a linha o céu não se define no cinza
onde o oco da terra abriga
coleções de esqueletos brancos
ali plantei uma árvore de carne
(em homenagem ao pai mais antigo que o outro)
que serviu de suporte a meus ossos parcos
e nela jaz enforcado um cão ainda em agonia
todo o sangue obliquo de crianças vingadas
e cabelos de cascatas de cometas
há um grito surdo de mortes precoces
inocências imoladas em campos de batalha
aqueles que carregam pedras de gelo entre os dedos
e uma agonia antiga e intacta entre os dentes
um barril repleto de braços amputados, mãos
e orelhas e narizes decepados a facão
ampulhetas de linfa coagulada e reduzida a pó
pedras de peixe ( fortuna escondida no porão)
retratos de lordes emoldurados com pele humana.
há um urro indolente de tesouras de aço enferrujado
prata e ouro enredados em fina tapeçaria
um coro de choros incontroláveis de mães em praça pública
em cidades sitiadas
em muros de vergonha
e campos sem cultivo
que na falta de justiça se referem a vingança com graça e apreço
há um rio que corre destes olhos
água agourenta e salgada
que devora como ácido
toda a alegria e esperança
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20.02.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
doses de amargo
quebram as pétalas das flores
em agridoce semelhança com a vida
(mas ainda assim desigual)
pagar o dízimo
das contas de vidro perdidas
entre os dentes
e caídas
dos dedos senis e trémulos
o amor é uma construção permanente
o cimento que une o universo
e há mais metafísica
em olhares adolescentes apaixonados
(e seu brilho doentio)
do que nos arcanos
das esferas orbitais de Júpiter
e contornos oculares de Galileu
(suas derradeiras ferramentas)
o ósculo da matéria
cinco segundos antes da destruição total
nos revelará de vez
a verdadeira verdade
mas ai será tarde
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13.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
espirais cobrem meu corpo
despencam helicoidais
ideogramas/nanquim/pincéis
tatuagens
não breves sinais
rufar de tambores
febre cerebral/enxaquecas
furor
humor e tumor
dores fatais
não sei quanto tempo
sentado na praça
contando cachaça
bebendo desgraça
sem você
sou vazio e sem cenho
criança sem colo da mãe
me lembro quando amar
não doía
pérola na língua
vermelho carmim
agora carrego um olhar flutuante
choro lendo hai kais
chuva sobre bambuais
tensão de garoa
uma lata vazia flutua no ar
um dia ouvi alguém que esqueci
sussurrou
em japonês
amor
se diz “ai”
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