Nota biográfica

Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu em Baltar, Paredes, a 10 de Abril de 1971. Frequentou o curso de Teologia na Universidade Católica Portuguesa – Porto. No Seminário e na Faculdade de Teologia criou gosto por entender a poesia e dialogar com a expressão contemporânea. Faleceu a 9 de junho de 1999, quando estava prestes a concluir o noviciado no Mosteiro Beneditino de Singeverga.

Poema de Daniel Faria – (sem nome)

26.08.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Homens que são como lugares mal situados

Homens que são como casas saqueadas

Que são como sítios fora dos mapas

Como pedras fora do chão

Como crianças órfãs

Homens sem fuso horário

Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas

Que são como caminhos barricados

Homens que querem passar pelos atalhos sufocados

Homens sulfatados por todos os destinos

Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias

Que são como os esconderijos dos contrabandistas

Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis

Homens que são sobreviventes vivos

Homens que são como sítios desviados

Do lugar

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Daniel Faria – “”Sei que…”

26.03.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Sei que o homem lavava os cabelos como se fossem longos
Porque tinha uma mulher no pensamento
Sei que os lavava como se os contasse

Sei que os enxugava com a luz da mulher
Com os seus olhos muito claros voltados para o centro
Do amor, da operação poderosa
Do amor

Sei que cortava os cabelos para procurá-la
Sei que a mulher ia perdendo os vestidos cortados

Era um homem imaginado no coração da mulher que lavava
O cabelo no seu sangue

Na água corrente

Era um homem inclinado como o pescador nas margens para ouvir
E a mulher cantava para o homem respirar

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Daniel Faria – “Quero a Fome de Calar-me”

23.03.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança

in “Dos Líquidos”

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