Nota biográfica

Uma vida dedicada à indústria da publicidade e às relações públicas. Escrita e pintura são a sua profissão e a sua paixão. Grande divulgador do associativismo. Ainda não publicou um livro de poesia.

Daniel D. Dias – “Glória ao mundo digital”

10.05.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Estou aqui,
sentado,
nesta cave obscura,
no centro do mundo
Lá fora
há cheias, nevões, secas, corrupções, golpes de estado, burlas, revoluções
mas nada se agita no meu corpo,
nada perturba a minha mente
Existirá mesmo alguma coisa lá fora?
Estou aqui sentado em pleno mundo digital
e posso decidir
o que existe
o que é verdadeiro
o que é importante
Agora
neste fascinante mundo
fratalizado, bip-mapizado, pixelizado
posso apagar ou guardar
num qualquer limbo impoluto e reservado,
sem risco de castigo ou penitencia
tudo o que quero…
Até o inferno, agora, está ao alcance dum clique
Ah como é fácil comunicar
reunir todos os amigos numa só página da internet
confraternizar com eles
sem ter de lhes abrir a porta
ou oferecer-lhes um copo de vinho
O que não é digital pode ignorar-se:
a realidade tornou-se matéria negra
que nem o scâner e os telescópios podem detetar
Salvé!
Bem hajas abençoada tecnologia!
Finalmente posso ser um deus verdadeiro
e abandonar a realidade analógica do meu corpo
ao cuidado desses senhores de bata branca
que na ponta dos seus dedos fininhos
reduzem tudo a nomes estranhos
(Sei que eles tudo farão para que o meu traseiro sensível
não fique dormente de estar sentado.
Sei que se for necessário,
digitalizarão as minhas nádegas
para que se tornem virtuais e não me incomodem…)
Salvé!
Bem hajas, mundo digital!
Finalmente posso tratar a minha vida desfocada e triste
Num qualquer programa de Photoshop
E melhorá-la, dar-lhe brilho, acrescentar-lhe fantasia
O meu passado
revisto e melhorado
ficará depositado para memória futura
para que todos possam consultá-lo
e prestar-me a homenagem há muito devida
Salvé!
Posso finalmente correr mundo
Percorrer as rotas de migração das aves e das baleias
Viajar no espaço cósmico ou no tempo
e tudo isso sem asas nem motores
e posso entrar onde quiser,
sem nada pagar, sem correr riscos
nos templos da arte e da ciência,
nos teatros de guerra e fóruns mundiais
nos hospícios e lupanares,
nos lugares mais sagrados do bem e do mal…
Agora
posso ser benemérito sem limites,
e corajoso e intrépido como sempre sonhei
Posso proteger as espécies ameaçadas
combater a desertificação, o trabalho infantil
lutar contra ditaduras, a exploração capitalista e a violência doméstica
fazer companhia a doentes, velhos e sem abrigo…
Posso contribuir até para derrubar ditaduras…
E, tudo isto, sem sair daqui
Sentado,
nesta cave obscura
no centro do mundo!
(Só há uma coisa que me está interdito fazer
deixar de pagar a electricidade…)

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Daniel D. Dias – “Eu sou tu”

10.05.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Eu sou tu,
desconchavado mas sou
Talvez não te pareça, porque agora uso óculos de aro fino
Mas acredita, sou tu
Tenho estado aqui parado
À espera que eu próprio me reconheça
Mas os olhos e as pernas que se atravessam no caminho
Não me dão um minuto de concentração
Sei que sou tu
Não porque alguém me dissesse
(Afinal sempre tive a genética do teu nariz, o pénis curvado
A maçã de adão dorida da angústia)
Mas porque não é matematicamente possível ser eu
Porque não tenho arcaboiço para ser eu próprio
Esta porra de viver a teogonia dos outros
E cavalgar projetos herdados há tantas gerações
Não é própria para quem está aqui de passagem
O sideral espaço da minha mente está vazio
E as minhas mãos estão crispadas
de tanto agarrar essa solidão grotesca
que o relojoeiro louco a quem chamam deus
espalhou por aí

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Daniel D. Dias – “Marinheiro”

10.05.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Percorro a vida como um barco sem rumo
Oiço o vento, as gaivotas e o marulhar das ondas e gosto da música que compõem
E nunca tenho medo porque sinto o olhar do pai por perto, mesmo não estando lá
Acosto em qualquer porto ignoto sem receio
porque ganho coragem no regaço doce da minha mãe água
Estou só, mas a solidão não me aflige
porque um canto de sereias amigas me acompanha
E nem me importo de ficar triste porque gosto da minha tristeza que não é triste
Sei que a minha viagem não terminará e não me aflige que seja eterna
O que receio é nada ter que fazer ou parar de pensar,
Ou que os golfinhos e os peixes voadores me abandonem

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Daniel Dias – “Os melhores poemas”

10.05.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Os melhores poemas?
Não cheguei a escrever
Podia tê-lo feito, mas não fiz
Alguns perdi
Outros não cheguei a encontrar
Que importância tem isso?
Para que servem afinal os poemas
mesmo quando são os melhores poemas?
Vale a pena perder tempo com coisas óbvias?
memorizar pensamentos que ganham asas?
Decorar o canto das aves esquivas?
coleccionar as cores da natureza?
Porque se insiste em acender velas
tendo à mão a abundante luz do sol?

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